Projetos urbanos com vegetação podem ajudar a solucionar enchentes

Rua da cidade de São Paulo sofrendo com as enchentes
Planejamento urbano de cidades, como São Paulo, potencializa eventos naturais, como as enchentes. Créditos: Gab Adilson Amadeu/Mílton Jung/Flickr

Todos os anos, os brasileiros se deparam com notícias sobre a ocorrência de enchentes em todo país. Na cidade de São Paulo, não é diferente. As enchentes são resultado da combinação entre o clima subtropical úmido da metrópole, com verões quentes e alta precipitação, somados à forma como ocorre o processo de urbanização. E com as mudanças climáticas e o aumento de eventos extremos, a tendência é a situação se agravar ainda mais.

“O jeito que pensamos a drenagem das nossas áreas, das nossas cidades, nós as condenamos a essas inundações”, explica Paulo Pellegrino, professor associado da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e pesquisador do LABVERDE. No último século, autoridades e urbanistas trabalharam com a ideia de “apagar” a água da cidade, por meio da canalização dos rios – que tornaram as áreas de várzea secas – e fortaleceram a impermeabilização das encostas.

A chamada “infraestrutura cinza” vai além, contando com calhas, galerias de águas pluviais e bocas de lobo, que aceleram a velocidade das águas e as levam para fora do ponto onde elas caem. “Na forma como implementamos essa infraestrutura cinza, nós fizemos uma bagunça com o ciclo hidrológico da cidade”, afirma o professor. “Todo o modelo que a natureza tinha dado aqui em São Paulo foi quebrado”.

Projeto busca proteção de ecossistemas

Estudar soluções proporcionadas pelos próprios recursos naturais – as chamadas Soluções Baseadas na Natureza – para restaurar ecossistemas naturais e melhorar a qualidade de vida nas cidades é o objetivo do projeto “CONEXUS: co-produção de soluções baseadas na natureza e restauração de ecossistemas para a sustentabilidade urbana”. A iniciativa, em vigência desde 2020, conta com parcerias de instituições da União Europeia e da América Latina, como a FAU.

Retomar o modelo proporcionado pela natureza para evitar alagamentos significa trabalhar com uma série de técnicas e soluções que os projetos de drenagem sustentável, associadas a projetos paisagísticos, podem oferecer. Na prática, essa metodologia funciona com o tratamento do solo, a utilização de certos materiais construtivos e, principalmente, o uso da vegetação.

Além da necessidade de restaurar a vegetação para que ela atue como uma “esponja verde” nas áreas mais altas e estabelecer um sistema de passagem das águas que promova um retardamento do seu escoamento, é preciso trabalhar com projetos de espaços abertos nas áreas mais baixas, como a criação de parques e praças, além da reorganização dos espaços e do desenho das vias.

Cenário atual e desafios

Hoje, a medida para remediar as enchentes são, principalmente, os piscinões. Para o professor, isso significa apostar todas as fichas nas mesmas soluções antigas. “Continuamos  vendo o sistema de drenagem como um sistema centralizado, que concentra as águas, que tenta se livrar das águas como se elas fossem um problema, quando, na verdade, são um recurso valiosíssimo”, opina.

Pesquisadores de diferentes áreas, técnicos e comunidades vêm avançando na ideia de mudar o paradigma de como as águas urbanas são tratadas. No entanto, nas grandes obras e ações políticas do poder público, é o modelo antigo que prevalece. Os rios continuam recebendo projetos de centralização e retificação e não há programas de liberação das águas das margens dos rios. Piscinões estão sendo projetados com áreas verdes em volta, “mas elas ainda são vistas apenas como uma moldura, que vai amenizar o visual desses espaços. No entanto, precisamos considerar que a vegetação está intrinsecamente ligada à forma como as águas estão organizadas dentro da cidade”, ressalta Paulo.

Para além do poder público, a população também pode ajudar com soluções pontuais no dia a dia, retendo as águas de chuva que caem no telhado, no quintal ou na calçada. Somadas, essas pequenas ações podem ajudar a resolver o problema. “Nós podemos transformar a frente das nossas casas em jardins de chuva, nossas calçadas em biovaletas, nossos telhados em tetos verdes e nossas paredes em ‘paredes-esponja’ ”, explica o pesquisador. Praças, canteiros e parques devem manter a serapilheira para receberem a água, trabalharem com a biodiversidade e, também, servirem de nicho ecológico.

Um novo modelo de paisagem não pressupõe a eliminação imediata do outro. A transformação entre um espaço verde e a estrutura antiga é gradual, pois exige tempo e uma mudança cultural. São Paulo é uma cidade das águas, que foi e sempre será uma grande bacia de recepção das águas. Trabalhar soluções que levem as águas em consideração, não ajudam apenas a solucionar o problema das enchentes, mas também trazem melhorias ambientais, paisagísticas e sociais para a cidade, que vão aumentar a qualidade de vida das pessoas.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*