Políticas de São Paulo e do Grande ABC integram movimentos sociais e Estado

Imagem: Letícia Vieira

Estratégias dos movimentos feministas foram bem sucedidas para a implementação de políticas públicas para mulheres em São Paulo e no Grande ABC. Essa foi uma das conclusões da dissertação de mestrado de Marina Ruzzi pelo Programa de Pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP. Como objeto de estudo para o trabalho, foram analisados os programas Conexão Mulher, do município de São Paulo, e Casa Abrigo Regional, do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC.

Formada em direito, também pela USP, Marina encontrou na área de políticas públicas uma forma de expandir a sua atuação, passando a trabalhar com questões coletivas e também pensando na prevenção de problemas: “Me incomodava sentir que a atuação do direito era muito reduzida. Eu basicamente agia quando já havia ocorrido um problema e dentro de uma perspectiva individual. Fui para gestão de políticas públicas buscando ter um alcance maior”, conta a pesquisadora.

De início, Marina pretendia ter como foco a análise da implementação dos dois programas. Porém, por não restringir o seu método de pesquisa ao estudo teórico, ela entrou em contato com os criadores dessas políticas por meio de entrevistas e da observação de reuniões. Isso levou a uma mudança de enfoque no trabalho, que passou a estar voltado para a relação entre os movimentos sociais e a burocracia estatal.

Essa relação, segundo a pesquisadora, costumava ser entendida como um enfrentamento: “Era basicamente os movimentos sociais cobrando o Estado de forma bem dicotômica e beligerante, quase como se eles tivessem interesses diversos”, explica. Ainda de acordo com ela, hoje em dia, também há momentos de confronto, mas de um modo geral a relação passou a ser co-constituinte, ou seja, o movimento social influencia o Estado e vice-versa.

Foi de acordo com esses novos moldes que os programas analisados na dissertação surgiram. O primeiro, Conexão Mulher, foi fruto da ação de movimentos como a Marcha Mundial de Mulheres e a Sempre Viva Organização Feminista. Membros desses movimentos tanto influenciaram indiretamente, quanto atuaram na antiga Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres (SMPM), criada pelo governo Haddad, em 2013. A partir desse programa, foi gerado o Comitê Intersecretarial de Políticas para Mulheres, que reunia 20 secretarias a fim de pensar políticas de gênero para o município de São Paulo.  

Marina identifica no Conexão Mulher um modo transversal de atuação, pois ele propunha pensar a SMPM não como um fim, mas como um meio de pautar a desigualdade de gênero nas demais secretarias, uma vez que o problema permeia múltiplas áreas. Ela então explica como ocorria esse processo: “Por ser uma secretaria com poucos recursos próprios, ela precisou agir pela transversalidade. Ir lá, opinar: ‘Secretaria de cultura, e se a gente fizesse uma biblioteca feminista? Seria muito importante por isso e aquilo’. Era um trabalho de convencimento”.

Com o início do governo Dória, em 2017, o programa foi descontinuado e os status de secretaria da SMPM foi rebaixado primeiro para coordenadoria e depois para departamento. A pesquisadora explica que a mudança de posição nessa hierarquia não é apenas simbólica: ela também implica em mudanças na disponibilidade de recursos financeiros e humanos. Partindo de uma secretaria, as propostas de políticas para mulheres chegavam diretamente ao prefeito. Agora, partindo de um departamento, elas precisam passar por uma coordenadoria e uma secretaria para, só então, chegarem ao conhecimento dele.

Dentre os motivos identificados por Marina para o rápido desmonte do Programa Conexão Mulher está o pouco apoio que esse tipo de política possuía no legislativo. Isso contribuiu para a escolha do decreto para a sua implementação, uma resolução frágil que depende somente do prefeito para ser aplicada ou anulada. Outro ponto que contribuiu para o fim do programa foi a falta de servidores efetivos em seu corpo de funcionários. Esses profissionais seriam estratégicos para a manutenção da política, pois continuaram empregados mesmo com a troca da gestão.

A pesquisadora reconhece, porém, que mesmo com a curta duração do programa, muito foi feito por suas integrantes: “Em termos de saldo de prefeitura, elas fizeram muita coisa em quatro anos. Justamente antevendo que não conseguissem se reeleger, realizaram um trabalho militante de formiguinha para capacitar servidores e participar da elaboração de leis”.

Ela mostra que o Programa Casa Abrigo Regional, por sua vez, teve a continuidade como um de seus objetivos iniciais. Essa preocupação veio de uma experiência semelhante à do Conexão Mulher ocorrida no mandato anterior do então prefeito Celso Daniel, entre 1989 e 1993. Na época, foi implantada uma casa abrigo em Santo André, que também foi fechada logo após a troca de gestão.

Após esse episódio, Celso Daniel, em seu segundo mandato (1997-2002), e movimentos sociais do município se articularam para viabilizar novas casas abrigo. Para isso, eles apostaram na vinculação do projeto ao Consórcio intermunicipal do Grande ABC que reúne sete prefeituras. Assim, houve a divisão dos custos, proporcional ao orçamento de cada município, e o fortalecimento da política, uma vez que a sua desarticulação só pode ocorrer se decidida por pelo menos quatro dos sete municípios.

Outra preocupação ligada à manutenção da política era a de garantir que ela fosse efetivamente pública e não tivesse sua gestão terceirizada a órgãos do terceiro setor. Para isso, foi criado um Conselho Gestor com representantes de todos os municípios e também da sociedade civil.

Os dois equipamentos públicos que compõem o programa foram finalizados em 2004 e 2006. São casas secretas que abrigam mulheres que correm risco de morte e seus filhos de até 18 anos. Elas têm como objetivo garantir a segurança dessas pessoas e o seu acesso a elementos de primeira necessidade, como alimentação, saúde e tratamento psicossocial. O projeto pode ser considerado vitorioso, pois continua ativo e expandindo suas ideias pelos municípios que o compõem.

A análise desses casos permite enxergar os ativistas como possíveis pontes difusoras de políticas. E, mais especificamente, pontuar mecanismos que se mostraram eficazes para a permeação de ideias feministas na estrutura estatal. Eles podem partir tanto do ativismo estatal, que consiste na ocupação de cargos políticos por membros de movimentos sociais, quanto de ações externas à estrutura política, como a presença de ativistas em fóruns e a construção de relações entre os movimentos e o Estado.

 

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