Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), desenvolveu um algoritmo de aprendizado de máquina capaz de identificar o parasita Trypanosoma cruzi, causador da Doença de Chagas, a partir de imagens de celular. Atualmente, o diagnóstico depende de especialistas, que analisam o sangue dos pacientes no microscópio. O programa possui uma precisão de 89,5%, e a intenção dos pesquisadores agora é utilizar a técnica na identificação de outros parasitas sanguíneos, como o causador da leishmaniose.
Para desenvolver o sistema, o grupo partiu de amostras de sangue de camundongos infectados, que foram submetidas ao processo de diagnóstico tradicional, em que especialistas identificaram os parasitas presentes em cada uma. Depois, foram obtidas imagens das amostras, a partir de um smartphone acoplado a um microscópio. Foram essas fotografias que o computador utilizou para aprender a identificar o Trypanosoma cruzi, por meio de um método chamado Random Forest (Floresta Aleatória, em tradução livre), no qual a máquina estabelece, a partir do estudo do conjunto de imagens, uma série de regras de decisão que determinam o que será identificado como um parasita, baseando-se nos pareceres dos especialistas.
“A ideia da pesquisa surgiu do professor Helder Nakaya, investigador principal do estudo, quando ele visitou o Instituto Evandro Chagas, no Pará. Lá, ele descobriu que um dos especialistas no diagnóstico de doenças tropicais, como a Doença de Chagas, iria se aposentar, e muito do conhecimento que eles possuíam na identificação desses parasitas iria se perder”, explica Mauro César Cafundó de Morais, pós-doutorando em Biologia Computacional na USP e um dos autores do estudo.
O uso de algoritmos de aprendizado de máquina na detecção de parasitas sanguíneos não é inédito, mas estava restrito a doenças mais prevalentes. Mauro explica que, no caso da malária, por exemplo, causada por protozoários do gênero Plasmodium, já existem soluções comerciais, usadas no dia a dia, capazes de fazer essa identificação. No caso da Doença de Chagas, porém, existiam apenas outros trabalhos acadêmicos, criados por meio da utilização de câmeras profissionais para a aquisição de imagens, o que encarece bastante o processo.
“O desafio agora é saber com quais outros parasitas sanguíneos podemos utilizar essa técnica, já que eles são bem semelhantes em termos de forma e cor”, conta Mauro. O pesquisador já está trabalhando, em colaboração com o Instituto Evandro Chagas e outras instituições, em um projeto que aplica um sistema semelhante para a detecção do Leishmania braziliensis, causador da leishmaniose, que também é uma doença endêmica em regiões tropicais.
A pesquisa realizada pelo grupo é o que os especialistas chamam de “validação analítica” do modelo. Mauro explica que, antes que a ideia seja disponibilizada para uso geral, novos experimentos são necessários, inclusive com amostras sanguíneas de seres humanos, o que constituiria a chamada “validação clínica”.
“Há uma mobilização dentro do nosso grupo para que esse processo aconteça, mas é difícil dizer quanto tempo isso vai demorar. A julgar pelos sistemas de identificação da malária, podemos dizer que é algo que levará em torno de cinco anos.”
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