Entender como uma doença se desenvolve é certamente um dos passos mais importantes nos estudos acerca de prevenção e/ou tratamento, principalmente se o início dos sintomas é de difícil observação a nível de causa e consequência. É o caso das doenças neurodegenerativas, tais como Parkinson e Alzheimer – e é esse tipo de patologia que o professor Henning Ulrich, sua aluna de pós-doutorado Ágatha Oliveira Giacomelli e sua aluna de doutorado Roberta Andrejew, estudam atualmente no Laboratório de Neurociências do Instituto de Química da USP. “Trabalhamos aqui em como as doenças neurodegenerativas funcionam. Essas doenças têm um processo chamado de neuroinflamação, onde processos inflamatórios periféricos vão se transferindo para o cérebro e destroem células neurais, e, no caso do Parkinson, há uma morte seletiva de neurônios dopaminérgicos”, explica o professor Henning, especialista em sinalização purinérgica, área que analisa os processos de interação entre receptores celulares e nucleotídeos e nucleosídeos.
A dopamina é uma molécula sintetizada pelos neurônios dopaminérgicos que atua como um importante neurotransmissor em diversas funções, com um destaque para a função motora. Por isso a perda de neurônios dopaminérgicos causa dificuldade de coordenar movimentos, principal sintoma do Parkinson. Para investigar melhor esse processo de neuroinflamação, Henning iniciou em seu Laboratório estudos com modelos de células tronco em cultura, onde elas são diferenciadas em neurônios dopaminérgicos, e também com modelo animal (ratos) que possuem uma deficiência de neurônios dopaminérgicos em um dos hemisférios, onde se analisam os processos celulares envolvidos na morte desses neurônios. São observadas alterações em diversos tipos de receptores moleculares no cérebro desses animais, e o laboratório do prof. Henning estuda os receptores purinérgicos P2X7, P2Y1 e P2Y6, dentre outros.
Os pesquisadores contam que, para observar a neuroinflamação, injetam uma substância neurotóxica análoga à dopamina que interage com os neurônios dopaminérgicos, porém, os matando. A morte em conjunto do tecido neural é então observada em uma cadeia de reações onde mais e mais neurônios vão morrendo – e tais reações são a chave para entender como a degeneração causada no Parkinson pode ser descontinuada. “Quando há a morte de células, sua membrana se rompe e uma grande quantidade de uma molécula chamada ATP [adenosina trifosfato] vaza da célula de forma não controlada”, informa o professor. “O receptor P2X7, quando estimulado excessivamente pelo ATP, desencadeia a formação de grandes poros na superfície da célula, que permitem a entrada e saída danosa de moléculas grandes, danificando os processos intracelulares e induzindo a morte das células”, explica, entrando em detalhes no trabalho de Ágatha.
Além do P2X7, Ágatha também analisa o receptor P2Y6, conhecido por participar do processo benéfico de “limpeza” das células mortas que o organismo realiza, mas que tem sido demonstrado também aumentar a morte das células que ainda estão vivas. “Observei também outro tipo de célula do sistema nervoso, as da microglia, representantes do sistema imune dentro do cérebro que são responsáveis por remover as células mortas. E, observando essas células, se percebe que a ativação do receptor P2Y6 também exerce um papel prejudicial por estimular a microglia a destruir neurônios vivos, ajudando a expandir a morte. O P2Y6 é ativado em situações inflamatórias, podendo aumentar assim a morte nos casos dessas doenças neuroinflamatórias”, explica a pesquisadora. Já o receptor P2Y1 é do trabalho de Roberta, que apesar de apresentar uma lesão mais branda inicialmente e que aumenta progressivamente no tecido neural, potencializa a morte de neurônios dopaminérgicos da mesma forma que o P2X7, quando ativado por um composto semelhante a adenosina difosfato (ADP).
Sendo assim, os três observam que a inibição desses receptores poderia ajudar na proteção desses neurônios. “Precisamos entender como esses receptores estão agindo na doença de Parkinson. Claro que a gente sempre almeja a resposta para um possível tratamento, mas o que é mais importante é entender como ela [doença] funciona, molecularmente, como os receptores estão atuando e qual é o potencial efeito de tratamento”, conta Roberta. “Pode-se observar a inibição desse receptor quando tratamos os animais com Brilliant Blue G, e um melhor funcionamento das células capazes de regeneração quando esse receptor não está ativo”, explica. O BBG foi administrado nos ratos e trouxe resultados positivos quanto a isso, mas os pesquisadores ainda estão a procura de um composto que possa substituí-lo. “Esse composto é um corante alimentício não tóxico em pequenas quantidades, é aprovado pela FDA, agência reguladora de drogas e alimentos dos EUA, e está presente em muitos produtos comercializados, porém, não pode ser administrado em humanos como medicamento pois, além de deixar tecidos do corpo como a esclera [parte branca dos olhos] e boca azuis, é necessário uma grande quantidade do composto para fazer efeito e, portanto, deve-se estudar uma possível toxicidade”, esclarece o professor Henning. Assim, uma neurorregeneração pode ser observada e um caminho para novas etapas no avanço da medicina é aberto por meio dessa análise dos processos de neurotransmissão, atividade de moléculas e seus receptores – ou seja, análise da chamada sinalização purinérgica. “Precisamos de novas drogas, novos compostos que a gente consiga aplicar em ensaios clínicos. Por isso, outros pesquisadores de nosso Laboratório estão analisando drogas que modulam o sistema purinérgico e como aplicá-las melhor no cérebro, já que a maioria dos medicamentos não consegue penetrar no sistema nervoso sem injeção direta”, esclarece Roberta.
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