Pesquisa básica é fundamental para o combate às moscas-das-frutas

Através do estudo desses insetos, pesquisadores encontram táticas para o combate de pragas alternativas ao uso de pesticidas

Moscas da espécie Anastrepha ludens pousadas sobre uma toranja.
[Imagem: Reprodução/The Bugwood Network]

As moscas-das-frutas são um conjunto de insetos que têm como uma de suas características colocar seus ovos em frutas. Apesar de nem todos desses insetos colocarem seus ovos em frutas de consumo humano, algumas espécies são pragas relevantes da fruticultura, que causam prejuízos de milhões de dólares anuais ao Brasil. Para reduzir esse dano, é essencial conhecer o melhor possível essas moscas.

É o que conta a professora Denise Selivon, pesquisadora do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biologia (IB) da USP. Denise organiza e participa de pesquisas multidisciplinares sobre essas moscas da família Tephritidae, as moscas-das-frutas, em especial sobre as Anastrepha, gênero desses insetos mais presente na América.

 

Mosca Anastrepha fraterculus pousada sobre uma superfície.
Foto de uma Anastrepha fraterculus, espécie do gênero Anastrepha. [Imagem: Reprodução/Gerson Tavares]
Segundo Denise, o gênero Anastrepha agrupa cerca de 200 espécies de moscas. Enquanto algumas dessas espécies colocam seus ovos em frutas que não são comercializadas, como no fruto da mandioca, outras espécies utilizam frutas como mamão, manga e goiaba. Nesses casos, esses animais são considerados pragas: “Esse conceito vem quando você tem uma perda daquilo que seria destinado para consumo humano”, explica a pesquisadora.

Quando a fêmea de uma Anastrepha está fertilizada, ela busca um fruto para colocar os ovos. A mosca faz perfurações na superfície do fruto para analisá-lo quimicamente e identificar o fruto ideal para o desenvolvimento da prole. A escolha do fruto é um processo criterioso — uma vez colocados os ovos, as larvas terão que permanecer dentro do fruto até a próxima etapa do seu desenvolvimento.

Após cerca de 3 dias, as larvas eclodem dos ovos e começam a devorar a fruta. Danificada pelas larvas e pela entrada de patógenos — fungos e bactérias — que a contaminam durante sua perfuração, a fruta eventualmente apodrece e cai. Nesse momento, as larvas se enterram no solo e, já por volta do décimo dia de vida, transpassam para o estado de pupa.

Permanecem nesse estado entre 10 e 15 dias, tempo que pode variar de acordo com cada espécie e com fatores como a temperatura do ambiente, em seguida rompendo a pupa, já como adultos e prontos para se reproduzirem.

Para diminuir o dano causado pelas moscas-das-frutas, toda informação sobre elas é importante. Através de estudos sobre o comportamento das fêmeas em cultivos de mamão papaya, cientistas perceberam que elas só colocavam os ovos quando a fruta estava madura. Isso porque o mamão verde, quando perfurado, libera látex, que oxida e extermina os ovos das moscas. A partir disso, fruticultores passaram a colher os mamões enquanto ainda estavam verdes, evitando o prejuízo causado pelos insetos.

Esses estudos também possibilitam a aplicação de técnicas mais avançadas. Desde a década de 1950, cientistas utilizam a dispersão de machos de moscas-das-frutas inférteis, produzidos em laboratório e esterilizados através de radiação.

Esses machos, liberados através de aviões sobre as áreas de fruticultura e sempre em uma quantidade maior do que a de machos residentes da região, competem com esses outros pelas fêmeas. Todas as fêmeas que acasalam com um desses não produzem descendentes, assim diminuindo a população do inseto no local.

Outra tática ainda mais avançada se aproveita de uma bactéria que infecta grande parte dos insetos, a Wolbachia. Através de estudos, cientistas descobriram que machos e fêmeas de moscas-das-frutas só conseguem reproduzir se ambos estão infectados com a mesma linhagem da bactéria.

Se não houver compatibilidade e os insetos tiverem um a bactéria e o outro não, ou ainda se tiverem linhagens diferentes dessa bactéria, não conseguirão gerar descendentes. A partir disso, cientistas conseguem povoar regiões com machos incompatíveis, inviabilizando a fertilização das fêmeas de forma semelhante à da tática anterior.

Mesmo para a agricultura de subsistência, onde essas táticas mais avançadas nem sempre são economicamente viáveis, o estudo dos insetos pode ser benéfico. Conhecendo as espécies que infestam a região, é possível implantar armadilhas de feromônios, hormônios que os machos utilizam para atrair as fêmeas, para capturá-las.

Outras táticas envolvem o plantio de árvores mais atrativas para as pragas que as cultivadas na plantação — como, por exemplo, de uma goiabeira em um cultivo de manga, já que a goiaba é especialmente atraente para essas espécies e tende a concentrar os insetos nela.

Mas para utilizar todas essas técnicas é necessário conhecer bem as espécies de mosca presentes na região, incluindo as espécies crípticas — espécies de evolução recente, de aparência muito similar ou idêntica a outras espécies e que podem ter hábitos diferentes.

Por isso, Denise destaca a importância de “conhecer a biologia básica”, que produz o conhecimento que será utilizado em pesquisas aplicadas e, posteriormente, em táticas de combate às pragas.

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