Ao mesmo tempo em que a amamentação é reconhecida por marcar os estágios iniciais do despertar da vida humana, ela gera debates que são minados por tabus. Doutoranda em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), Marina Di Giusto procura investigar as relações entre o aleitamento materno e os padrões de dieta e mortalidade infantil de grupos arqueológicos brasileiros — algo que pode contribuir positivamente para a discussão sobre a maternidade.
Como objeto de pesquisa, Marina tem se aprofundado nos estudos sobre os sambaquieiros, grupos que ocuparam a costa litorânea do Brasil entre 4000 e 7000 anos atrás. Ao analisar os ossos e dentes dessa população, a doutoranda reúne sinais de estresse fisiológico relacionados ao período do desmame, ocasião em que o leite materno é substituído por outros alimentos.
Apesar do estudo se basear em uma sociedade já extinta, Marina identificou um ponto semelhante com a atualidade: a relação entre o fim da amamentação e indícios de mortalidade infantil. “Quando as crianças deixam de receber a imunização e os nutrientes fornecidos pelo leite materno, elas ficam expostas a novas fontes de infecção através da ingestão de alimentos e líquidos contaminados”, diz Marina.
A partir de seu projeto, que compreende ossos de crianças que tiveram sua idade de morte estimada desde a vida intra-uterina — quando o falecimento está relacionado a causas diretas à mãe — até a adolescência — período em que a morte ocorre por razões externas —, Marina quer entender até que ponto a alimentação influenciou a sobrevivência dos sambaquieiros.
O tabu da amamentação
Estudos antropológicos afirmam que sociedades tradicionais tratavam a amamentação como um ato de sororidade. “Em muitos grupos, a amamentação era partilhada entre as mulheres. Não é somente a mãe que dá o leite para o seu filho. Mulheres compartilham os seus peitos e seus leites com os filhos, o grupo de crianças”, explica Marina.
O aspecto natural da prática se perdeu conforme o colonialismo e a industrialização progrediram na sociedade. No Brasil escravocrata, mulheres pretas eram obrigadas a deixar de amamentar seus filhos para aleitar as crianças de suas damas. Conhecidas como amas de leite, a atitude inibia a alimentação de crianças pretas.
Depois, a discussão entrou para o campo do capitalismo. A Nestlé, por exemplo, aproveitou a invenção do leite em fórmula para gerar campanhas que criavam uma reputação negativa para o aleitamento materno. Segundo a BBC, a partir dos anos 1980, pediatras começaram a notar um maior índice de escorbuto e raquitismo entre os bebês vítimas do esquema publicitário.
Como meio de combate ao olhar nocivo construído contra a amamentação, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reuniu, em 1981, recomendações sobre as práticas alimentares infantis. A OMS orienta que, até os seis meses, o leite materno deve ser o único alimento consumido pela criança e que, nos seus dois primeiros anos de vida, o aleitamento esteja presente no cotidiano do filho. Mas, sabe-se que o conselho não é seguido à risca.
A interrupção do aleitamento segue inúmeros fatores, desde contextos econômicos a socioculturais. Um estudo feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria revelou que a média da amamentação integral no país dura apenas 54 dias, ponto que pode ser justificado pela volta da mãe para o mercado de trabalho.
Marina também aponta como obstáculo a erotização dos corpos femininos, que atrasa a viabilidade da discussão sobre aleitamento. “A sexualização dos seios, quando exposto em público por uma mulher amamentando seu bebê, é visto como uma prática inaceitável. É justamente nesse momento, quando o seio adquire o papel nutritivo e é usado e controlado pela mulher para essa finalidade, ele se torna algo que a sociedade não deveria ver”, diz.
“A decisão sobre se, quando e como amamentar é uma escolha ativa e livre da mulher, sempre respeitando a mãe e o bebê. Estamos falando de mulheres, de mulheres que se tornam mães e de mães que nutrem seus filhos, e conhecer um pouco mais dessa prática no passado enriquece essa discussão”, completa.
Faça um comentário