Suplemento consumido por atletas pode ter papel decisivo no combate às doenças cardíacas

Pesquisa conduzida em um dos Centros de Pesquisa e Difusão da Fapesp, o Redoxoma, estuda quantitativamente o papel da carnosina na redução do impacto de um infarto no coração

Imagem: Colagem/Jorge Fofano Junior

O nome carnosina pode causar estranheza, mas sua função é bem conhecida por atletas, educadores físicos e nutricionistas acostumados ao mundo das competições de alto desempenho. Este dipeptídeo, formado naturalmente pela junção dos aminoácidos beta-Alanina e histidina, é capaz de reprimir o ácido lático produzido pelas células musculares, quando se realiza exercícios intensos, e, consequentemente, diminuir a fadiga muscular e a sensação “dolorida” que surge no período de recuperação do tecido. A carnosina pode ser, inclusive, estimulada por suplementação alimentar.

Para além da finalidade fisiológica, a substância se tornou objeto de diferentes pesquisas bioquímicas, que sinalizam a eficácia deste dipeptídeo na prevenção de ataques cardíacos. Entre estes estudos, está o da pesquisadora do Instituto de Química, Bianca Scigliano Vargas, que também integra o Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma).

Segundo Bianca, “evidências apontam que a suplementação alimentar com os aminoácidos precursores da carnosina se correlaciona com a redução da área de células mortas ao redor do ponto de infarto”, o que pode aumentar sensivelmente a chance de sobrevivência de pacientes com condições cardíacas agudas e crônicas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), morrem no mundo 17 milhões de pessoas por ano em decorrência de doenças do miocárdio. No Brasil, o número chega a 360 mil, o que tornava esta a principal causa de mortes no país antes da pandemia de covid-19.

Embora grupos parceiros no Instituto de Ciências Biológicas e na Faculdade de Medicina da USP tenham chegado à correlação da carnosina com a diminuição do impacto da parada cardíaca, a pesquisa desenvolvida no Cepid Redoxoma por Bianca desponta como a única a utilizar um método quantitativo. Através deste método, , baseado na Cromatografia Líquida de Alta Pressão acoplada à Espectroscopia de Massa (HPLC/MS).  a pesquisadora espera desvendar a extensão com a qual a carnosina reage com o tecido cardíaco lesionado.

‘Molécula de sacrifício’: a ação química da carnosina para conter o dano de um infarto

Para entender melhor como a metodologia pretende desenvolver a quantificação, a doutoranda explica a química que há por detrás da interação entre a carnosina e substâncias liberadas pelo coração em uma situação de iminente infarto.

Quando o coração apresenta uma isquemia – termo médico que designa a presença de um fluxo de sangue e oxigênio inadequado nas cavidades cardíacas – se forma um quadro de estresse oxidativo que libera moléculas conhecidas como aldeídos. Os aldeídos produzidos, além de terem alta toxicidade, podem reagir com biomoléculas estocadas em células saudáveis, produzindo um efeito deletério em cadeia que culmina no infarto.

É nesse momento que a carnosina entra em cena. Se produzida em grande quantidade pelas células musculares, quadro que pode ser estimulado por uma suplementação alimentar de beta-Alanina, a carnosina reage com os aldeídos livres, agindo como ‘moléculas de sacrifício’. “Os produtos dessa reação são conhecidos como adutos, que possuem uma toxicidade muito mais baixa e podem ser eliminados pelo corpo sem prejuizo”, complementa Bianca.  

A pesquisa iniciada em março de 2020 ainda se encontra em fase inicial e enfrentou atrasos com as restrições de circulação e à falta de uma peça do Espectrômetro de Massas, cuja importação demorou mais de seis meses para chegar.

Para estimar a previsibilidade de seu modelo, Vargas dispõe de resultados de estudos feitos no tecido muscular estriado esquelético, estes sob coordenação da professora Marisa Helena Gennari Medeiros, que também é sua supervisora. No contexto fisiológico, isto é, da prática de exercícios físicos, a suplementação alimentar de beta-Alanina gerou um aumento de 50% no conteúdo de carnosina muscular e aumento significativo na formação de adutos carnosina-acroleína.  Assim, foi evidenciado a ação detoxificadora da carnosina.. 

Ainda que o estudo no tecido estriado esquelético responda a outras variáveis, o grupo de pesquisa de Vargas desenha possíveis paralelos para o estudo no coração: “Como o estresse oxidativo em uma situação patológica, isquêmica, é muito maior do que em uma situação fisiológica, a expectativa é que observemos picos bastante intensos para os adutos, o que comprovaria a eficácia protetora da carnosina”, conclui a pesquisadora.

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