No dia 8 de outubro de 2021, o comitê norueguês anunciou que o Nobel da Paz seria entregue à dupla de jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov. Segundo a comissão, o prêmio é uma recompensa aos esforços feitos em prol da liberdade de expressão em seus países, respectivamente, Filipinas e Rússia. Apesar dos laureados serem representantes de dois territórios com contextos próprios, o fato é um alerta para os numerosos ataques que a imprensa tem sofrido em todo o mundo nos últimos anos, inclusive no Brasil.
Ressa é cofundadora do Rappler, site de notícias voltado ao jornalismo investigativo, notório por fazer oposição ao governo ditatorial de Rodrigo Duterte, atual presidente das Filipinas. Entre suas pautas, ganham destaque as críticas às campanhas difamatórias e de fakes news propagadas pelas redes sociais. Muratov, por sua vez, é editor-chefe do Novaya Gazeta, considerado um dos últimos veículos jornalísticos independentes da Rússia e que, desde sua fundação em 1993, teve seis de seus repórteres assassinados. Seu jornal se dedica a expor as tramas da política russa, escancarando a corrupção, a violência policial, as fraudes eleitorais e as prisões irregulares do governo Putin.
Vítor Blotta, professor da ECA-USP e coordenador do grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, acredita que o fato de o prêmio ter sido entregue à dupla não só contribui para a liberdade de imprensa nos dois países, como também fortalece o jornalismo profissional. “[O Nobel da Paz deste ano] chama a atenção para a importância do jornalismo como instância fundamental em que o poder pode ser criticado, mas também legitimado. E que a oposição total ao jornalismo como estratégia de líderes autoritários não resiste à consequente deterioração de apoio popular mínimo necessário para um governo atuar”.
Ainda que o prêmio represente um passo em direção à garantia desses direitos, os ataques a profissionais da imprensa continuam a ocorrer e tiveram, inclusive, um aumento exponencial no Brasil a partir do governo Bolsonaro. Segundo estudo conduzido pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o presidente desferiu 87 ataques contra a imprensa – a maioria deles na forma de insultos, xingamentos e incitação à violência contra jornalistas diretamente – apenas no primeiro semestre de 2021. Tal índice fez com que ele fosse adicionado à lista dos “Predadores da Liberdade de Imprensa”, junto, inclusive, a Vladimir Putin e Rodrigo Duterte.
Em uma clara contradição, a postura inconstitucional de Bolsonaro, que afronta a imprensa e põe em risco a democracia, possui amplo apoio popular. Para Blotta, “isso vem de um processo mais longo e amplo de relativização das pretensões de verdade na ciência e no jornalismo, o que se fortalece com a ruptura do modelo de comunicação de massa do século XX pelas mídias digitais”. Nesse cenário, grupos de poder, a exemplo de Jair Bolsonaro e seus simpatizantes, conseguem propagar suas ideias e confrontar a imprensa profissional por meio das redes sociais.
Na prática, o que deveria ser assegurado pela própria Constituição Federal acaba ficando a cargo de ações jurídicas. Em novembro de 2021, o partido Rede Sustentabilidade ingressou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental contra Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o presidente “seja impedido de realizar ou de incentivar a realização de ataques verbais ou físicos à imprensa e aos seus profissionais, sob pena de responsabilização pessoal, mediante o pagamento de multa de R$ 100 mil”.
O pesquisador ressalta, no entanto, que, para além de ações como essa, é necessária uma transformação nas próprias estruturas da sociedade. Ele afirma que as instituições democráticas “devem fazer uma autocrítica sobre seus limites em realizar princípios de liberdade e justiça, e com isso, aproximar a população geral por meio do investimento em uma comunicação mais sensível e um jornalismo mais contextualizado”.
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