Com a pandemia do novo coronavírus, o mundo inteiro foi lembrado do quão perigosa é a infecção por vírus. Anteriormente, outras epidemias já demonstravam o poder que as doenças virais têm. Uma destas epidemias foi a que ocorreu no Nordeste brasileiro em 2015, com a variante nacional do Zika vírus e que acarretou em várias gestações de bebês com microcefalia. Ainda não é totalmente esclarecido como a Zika transmitida de forma vertical (isto é, da mãe para a criança ainda no útero) afeta o cérebro e o restante do sistema nervoso, mas uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP lança uma nova luz sobre o assunto.
Com o intuito de compreender os mecanismos patogênicos do Zika vírus no sistema nervoso central (SNC) em formação e identificar alterações celulares na expressão dos genes, Cecília Benazzato, doutora pela FMVZ, buscou modelar in vitro o SNC de bebês que nasceram com quadro de microcefalia. Com o consentimento dos pais, foram recolhidas amostras de pele de 23 crianças que nasceram com a síndrome congênita do Zika vírus (do inglês “Congenital Zika Syndrome” ou CZS) atendidas em Cabo do Santo Agostinho e no Hospital Infantil Maria Lucinda (ambos em Pernambuco). Essas amostras foram transportadas para o estudo e então convertidas em células tronco pluripotentes com a mesma configuração genética de cada paciente. Por fim, essas células tronco foram cultivadas a fim de gerar em laboratório um modelo do SNC de pacientes que nasceram com CZS. Segundo a pesquisadora, inicialmente foram selecionados “quatro pacientes, de acordo com a anamnese, [que é o exame clínico feito pelo médico], para realizarmos as primeiras diferenciações neuronais e astrocitária. Os demais pacientes serão reprogramados e diferenciados posteriormente.”.
Esse estudo é pioneiro por criar esse modelo in vitro do SNC de pacientes já seguramente infectados pela CZS. O mesmo grupo já havia feito outros estudos do mesmo gênero e foi capaz de mostrar que a variante brasileira do Zika ataca preferencialmente células do sistema nervoso além de ser mais agressiva quando comparada com a variante africana. Benazzato cita um da das pesquisas do grupo (publicada em 2016) para explicar quais são as células do SNC mais acometidas pelo vírus na microcefalia por essa doença. Segundo ela, são as células progenitoras neurais, ou NPCs, as que são as mais afetadas por esta infecção e acabam sofrendo um processo de morte celular. “Além disso, o vírus impede a migração das NPC, o que provavelmente contribui para a redução da espessura do córtex cerebral de pacientes portadores da CZS”, explica.
Uma das conclusões em que a pesquisa chegou foi que, apesar de não terem alterações morfológicas, os neurônios de pacientes acometidos pelo CZS apresentaram menor expressão de proteínas e menor número de eventos sinápticos quando comparados com o grupo controle saudável. Outro achado foi que os astrócitos (que podem ser definida como células auxiliares dos neurônios) apresentaram uma menor produção de glutamato, um neurotransmissor ligado ao disparo das sinapses. Além disso, o desenvolvimento de astrócitos é reduzida em culturas de pacientes com CZS, um achado que a doutora acredita que possa ser mais estudado futuramente.
O número de pacientes foi pequeno em parte devido à complexidade usual de se converter células da pele em células tronco e também devido à pandemia do coronavírus (que impossilitou o trabalho em grupo). Além disso, ainda por conta da pandemia, a busca por marcadores genéticos comuns teve de ser adiada. “Essa análise, que também foi afetada pela pandemia da covid-19, ainda será realizada, assim como a análise de eletrofisiologia. [Tais estudos] serão realizados em um laboratório parceiro nos EUA”. Entretanto, a pesquisa de Benazzato pode ser o início de um melhor entendimento deste vírus e com isso um melhor manejo e prevenção deste tipo de aflição.
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