Microcefalia ocasionada pelo Zika vírus pode ter marcador biológico lipídico

Desenvolvimento da malformação do cérebro pode ser identificada por biomarcadores lipídicos no plasma da criança

Créditos: Organização Pan-Americana de Saúde

Entre 2015 e 2016, o Brasil passou por uma situação de calamidade pública, semelhante ao cenário atual de pandemia da COVID-19, com o surto de casos de Zika vírus no país. Apesar de apresentar quadro clínico semelhante ao vírus da Dengue, também transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o principal sinal de alerta para a doença foi a incidência de grávidas infectadas pelo Zika, que tiveram filhos com o diagnóstico de microcefalia.

A partir dessa sinalização, os pós-doutorandos do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), Marcos Yoshinaga e Adriano Britto, em conjunto com pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) dos estados do Rio de Janeiro e da Bahia, desenvolveram um estudo que visa analisar a caracterização lipídica do plasma de bebês que foram expostos ao vírus do Zika no período pré-natal.

A partir dessa pesquisa, foram detectados possíveis marcadores biológicos que poderiam ajudar a descobrir, principalmente, se o recém-nascido exposto ao vírus desenvolveria ou não a doença de microcefalia durante a infância. “Se você tem estratégias de tratamento ou reabilitação que necessitam de tempo, você já pode ficar ir tratando essa criança mesmo antes dela desenvolver a [microcefalia] lá na frente”, aponta Yoshinaga.

Como a infecção materna do Zika afeta o desenvolvimento fetal

Com a deflagração do surto do Zika e dos casos de recém-nascidos com microcefalia, há muitas discussões sobre como esse vírus pode gerar efeitos colaterais no cérebro da criança.

Ainda não existe uma comprovação exata de como esse vírus atua, o que se sabe é que este atinge e ultrapassa a placenta, onde está acontecendo o desenvolvimento fetal, atrapalhando o transporte lipídico entre a mãe e o filho.

O transporte lipídico, que acontece através do cordão umbilical, leva nutrientes e sangue oxigenado, necessários para o desenvolvimento da criança em gestação, provenientes do organismo materno. A placenta, por sua vez, tem a finalidade de regular a entrada destas substâncias nas quantidades necessárias para o feto, além de impedir a entrada de microorganismos. 

Yoshinaga explica como acontece todo esse processo dentro do cordão umbilical: “os nutrientes estão numa concentração X na mãe. Quando esta vai para o bebê, são quase três vezes, cinco vezes mais. Então, a placenta funciona como um filtro, em que ela escolhe o que é bom e manda só o que é necessário para o bebê”. 

No entanto, ao ser infectada pelo vírus do Zika, a placenta sofre uma série de alterações metabólicas que alteram esse processo de troca de nutrientes e de sangue. Primeiramente, acontece a inflamação do seu tecido e, como consequência, acontece uma espécie de reprogramação do metabolismo de entrega dos lipídios. 

“Se você tem uma disfunção ou insuficiência placentária o que, geralmente, acontece é uma alteração no que o bebê vai receber”, ressalta Yoshinaga. No caso da microcefalia apresentada em crianças expostas ao vírus, o que foi percebido é que a transferência de ácidos graxos poli-insaturados, mais precisamente o ácido linoleico, fundamentais para o desenvolvimento cerebral e ocular, estava insuficiente, se comparado a crianças não expostas.

O marcador lipídico no plasma sanguíneo

Justamente pela dificuldade em se constatar exatamente como o Zika vírus ataca o feto, as principais descobertas do estudo foram referentes a possíveis marcadores biológicos que as crianças expostas ao vírus apresentaram em seu plasma. Dentre eles, a alta presença do HODE, um lipídio oxidado do ácido linoleico no plasma sanguíneo, que pode dar indícios para um possível desenvolvimento da microcefalia nos infectados pelo Zika. 

Britto ressalta que, a partir do momento em que esse ácido linoleico recebe uma adição de oxigênio, tornando-se o HODE, este pode tornar-se a causa dessa má formação cerebral: “essa estrutura diferente pode fazer com que cause danos ao cérebro do bebê, justamente por serem necessários esses ácidos graxos poli-insaturados, para o desenvolvimento, que ele está captando”. 

No entanto, o pós-doutorando ressalta que essa evidência ainda não é definitiva e que a maior presença desse lipídio pode, inclusive, ser a consequência da limitação do desenvolvimento cerebral. “Esse lipídio oxidado pode ser usado como um sensor. Se eu estou medindo e ele está alto, então, provavelmente, eu teria que acompanhar melhor essa criança, porque um marcador de que algum problema neurológico pode estar acontecendo”, aponta Britto.

Acumulação lisofosfolipídica como forma de detectar e prevenir a doença

Outro fator apresentado pelo estudo que pode ser um novo marcador biológico é a maior concentração de lisofosfolipídios no plasma sanguíneo das pessoas que foram expostas ao Zika. No cérebro, existe uma proteína de membrana capaz de capturar esse fosfolipídio do plasma sanguíneo e trazê-lo para dentro do cérebro, sendo transportado, junto a um ácido graxo chamado DHA, capaz de realizar esse desenvolvimento cerebral.

Nas crianças expostas ao vírus, percebeu-se que o Zika atua justamente na inativação dessa proteína que faz o deslocamento do lisofosfolipídio e em seguida, acumula o mesmo no plasma da criança. “Obviamente, quando a função dessa proteína é suprimida, você tem um defeito na entrega de ácidos graxos poli-insaturados para o cérebro e você vai ter problema”, explica Yoshinaga.

No entanto, o que surpreendeu, durante os estudos, foi que essa maior concentração não foi vista naqueles que já eram microcefálicos ao nascerem, mas sim nos expostos ao vírus do Zika e que nasceram normocefálicos. Yoshinaga ressalta que, ao realizarem um mapeamento posterior da cabeça das crianças expostas ao vírus que não tiveram microcefalia ao nascer, foi constatado que houve o aparecimento da condição durante o crescimento. 

Para o pesquisador, essa análise é fundamental para a realização de um tratamento preventivo da microcefalia e dos demais quadros clínicos provenientes do Zika. “Se você coleta hoje e este plasma tem uma característica do Zika, você pode diagnosticar a doença nas crianças mais para frente. E isso é muito importante nessa área, porque, realmente, esses bebês ficam ao alento”, finaliza Yoshinaga.

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