Professores da USP desenvolvem sistema de sorteio para o Judiciário com a tecnologia blockchain

Novo sistema resolve todos os problemas do atual sistema "caixa preta" do STF - sua implementação agora depende da pressão social e do interesse dos tribunais

Imagem: Tomás Novaes

Os professores Julio Stern (IME-USP), Marcos Simplício (POLI-USP) e Roberto Pfeiffer (FD-USP) assinam a pesquisa que gerou o desenvolvimento de um novo sistema de randomização para sorteio de juízes com o uso da tecnologia blockchain, a mesma por trás do Bitcoin.

Membro da Associação Brasileira de Jurimetria, a ABJ, o professor Julio Stern encabeçou a proposta de desenvolver um novo sistema, especificamente para o Supremo Tribunal Federal, mas que pode ser aplicado em qualquer instância. O projeto foi desenvolvido dentro do escopo do UBRI-USP (University Blockchain Research Initiative), grupo de pesquisa criado em 2019 em parceria com a empresa norte-americana Ripple para o desenvolvimento de pesquisas com blockchain.

O estudo de sistemas de randomização para o Judiciário brasileiro é feito pelo professor Julio desde 2018. Após a publicação de dois artigos e o desenvolvimento de um primeiro aplicativo baseado na própria dinâmica do Bitcoin, em 2020 ele se reuniu com os professores Marcos Simplício e Roberto Pfeiffer para desenvolver um segundo aplicativo, sem depender exatamente da geração de uma criptomoeda para a realização do sorteio.

Conversei com o professor Marcos Simplício, que ajudou a desenvolver a parte técnica do aplicativo. Segundo ele, o uso da estrutura em cadeia do blockchain permite o desenvolvimento de um sistema seguro e, principalmente, auditável – que é a principal queixa em relação ao sistema atual do STF.

Segundo o artigo 930 do Código de Processo Civil, o sistema de randomização dos juízes do STF deveria ser público – mas isso não passa da letra da lei. A realidade é que esse sistema é uma caixa preta: “O problema não é se ele é seguro ou não, se ele está funcionando ou não. Se ele é seguro, mostre isso. Quanto mais transparência, melhor”, diz Marcos Simplício.

Em pesquisa realizada em 2018 pelo professor Julio Stern e os pesquisadores Cláudia Peixoto e Diego Marcondes, foi analisado todo o histórico de sorteios do STF, chegando-se à conclusão de que, no valor agregado, o sistema aparenta funcionar corretamente. Porém, para garantir confiabilidade total, evitando abusos pontuais ou mesmo a própria desconfiança da opinião pública, a publicidade do sistema é essencial – e a solução para isso foi desenvolvida pelos pesquisadores da Universidade de São Paulo.

Esquema do funcionamento do sistema de sorteio. (Foto: Reprodução)

O sistema desenvolvido é baseado no conceito de Commit-Reveal ou Commitment Scheme, que consiste no compromisso das partes na geração de números aleatórios – e na posterior revelação desses. Basta que um dos participantes esteja comprometido com o sorteio justo para o resultado ser randômico.

O sistema foi desenvolvido com três objetivos principais: ter desvio zero de probabilidade, permitir sorteios múltiplos em um mesmo processo (sorteio do juiz, do relator, etc.) e permitir engajamento social – ou seja, auditabilidade por quaisquer terceiros que tiverem interesse.

Dessa maneira, esse aplicativo consegue funcionar a partir do conceito de “security by design”, ou seja, seu funcionamento é fundamentalmente seguro, já que essa garantia depende do próprio compromisso dos participantes – e qualquer terceiro, técnico ou não, pode ser testemunha disso. Seria o oposto da ideia de “security by obscurity”, que sustenta a decisão de não tornar o atual sistema do STF público.

O aplicativo já está finalizado, e só falta o interesse dos diferentes tribunais e do Poder Judiciário para sua utilização. Julio Stern enfatiza: “Está tudo na mão, o software é livre, o protótipo está aí. O difícil já foi feito, agora é só usar”.

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