Segundo especialista, o homeschooling (ou educação domiciliar) esquece o papel civilizatório e socializador da escola

A prática vem ganhando força na pandemia e já foi sancionada por lei no Distrito Federal e no interior do Paraná

[Imagem: PxHere]

O homeschooling, chamado em português de educação domiciliar, é a prática de educar uma criança dentro de casa, por meio da presença de um professor particular ou com os próprios pais exercendo o papel de promotores da educação. Diferentemente do ensino remoto, que se dá devido a uma circunstância externa como é o caso do coronavírus, o homeschooling parte da decisão consciente dos tutores de não levar seus filhos para a escola.

Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a educação domiciliar é proibida no Brasil desde setembro de 2018. Em entrevista à Agência Universitária de Notícias (AUN), Carlota Boto, professora da Faculdade de Educação (FE) da USP e integrante do Projeto da FAPESP “Saberes e Práticas em Fronteiras: por uma História Transnacional da Educação”, explica que, na ocasião, o modelo de ensino foi negado por não haver mecanismos de regulação bem definidos. 

Com esforços de determinados grupos políticos, principalmente de linhas conservadoras, alguns estados conseguiram permitir a prática do homeschooling nos últimos meses. No fim de 2020, o governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB), autorizou que o ensino domiciliar fosse praticado no estado, por meio de uma lei que começou a funcionar em fevereiro de 2021. Além disso, dois municípios do Paraná, Cascavel e Toledo, também sancionaram leis a favor da prática no ano passado.

Para Carlota Boto, o fato de as crianças já estarem estudando em casa por conta da pandemia foi um fator que pressionou para que o ensino domiciliar fosse aprovado no momento atual. Porém, apesar de ganhar força atualmente, esse movimento não vem de hoje.

A professora destaca que as raízes do homeschooling no Brasil vem desde as chamadas preceptorias, que antecederam a criação de escolas no país. A preceptoria era a prática de educar as crianças em casa por meio de tutores particulares, realizada principalmente por famílias ricas, as únicas tinham recursos para pagar os professores. Esse foi o modelo dominante até a chegada do processo de escolarização. 

Para Carlota, a educação domiciliar é uma “proposta retrógrada no sentido histórico”, que esquece que, antes de ensinar conteúdos, a escola tem um papel civilizatório e socializador. Ela também pontua que o tema se trata de uma agenda de interesse do governo Bolsonaro, que usa como justificativa o pretexto de que “há muito Paulo Freire e ideologia de gênero nos conteúdos ensinados pela escola”.

Quais os principais argumentos para a adesão do homeschooling?

Carlota elenca três principais razões para que os familiares optem pela educação familiar: ideológica, religiosa ou social. A primeira está relacionada aos estigmas que alguns pais têm, a exemplo da vontade de que os filhos não convivam com pessoas de outras classes sociais ou a ideia de que os conteúdos ensinados pela escola são “de esquerda”, sendo tratados como prejudiciais para a formação do jovem.

O motivo religioso acontece quando os pais não querem que os filhos aprendam conteúdos científicos nas escolas, como é o exemplo da teoria da evolução. Por fim, a razão social se dá por dificuldades da criança na convivência com outros colegas na escola, como é o caso do bullying ou qualquer outra forma de discriminação.

O papel do professor

A prática também apresenta empecilhos, principalmente no que tange ao ensino por parte dos pais que decidem educar os filhos. Alguns conteúdos da escola são complexos, como é o exemplo do Ensino Médio, que conta com 12 matérias que compõem o currículo escolar. É difícil que os pais lecionem toda essa carga de conteúdo, explica Carlota.

Para a especialista, o atual debate do homeschooling esquece de pensar na questão do papel do professor e de que ele é um profissional formado em um curso específico para a docência. “Para ser professor, ele teve que receber essa formação, o que significa que não é qualquer um que vai exercer com a mesma destreza a tarefa do ensino”, afirma Carlota. 

Ela ainda compara com outra profissão: “nenhuma pessoa em sã consciência proporia, por exemplo, uma medicina domiciliar, porque sabe que não tem conhecimento suficiente”.

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