Turismo brasileiro sofreu queda drástica de fluxos e regionalização durante pandemia

Pesquisa internacional expõe impactos da pandemia no turismo e mostra efeitos como regionalização do turismo em SP e RJ

O Festival de Parintins, suspenso por causa da Covid-19, é uma das principais atrações turísticas do Amazonas e um dos principais espetáculos folclóricos do mundo. Foto: Justino Guimarães/Garantido

Uma pesquisa que busca analisar os impactos da pandemia do novo coronavírus no turismo revelou uma queda drástica nos fluxos do setor em todo o País no primeiro semestre de 2020, seguida por flexibilização e aumento do turismo interno e regional em estados como Rio e São Paulo, a partir do segundo semestre.

Intitulada “Turismo em tempos de pandemia” e coordenada pela professora Rita de Cássia Ariza da Cruz, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a pesquisa é fruto de grupo de trabalho formado por pesquisadores de diferentes partes do País e do mundo.

São estudados os impactos da pandemia do Covid 19 sobre os Estados do Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo, além da Argentina, França, Moçambique e Portugal.

Os resultados iniciais foram apresentados no I Seminário Internacional do grupo de pesquisa, realizado entre 10 e 11 de dezembro de 2020. Confira os resultados preliminares em alguns dos principais pólos turísticos do País:

São Paulo

A pesquisa realizada no estado focou na região da Baixada Santista e na capital paulista. Os resultados preliminares e considerações iniciais mostraram uma diluição do setor do turismo em outros setores da economia, dificultando a mensuração dos impactos da pandemia. Uma queda expressiva nos fluxos em rodovias no primeiro semestre foi seguida por uma movimentação rumo aos interiores e litorais, acentuada no segundo semestre.

“Há um movimento, desde março de 2020, em direção aos interiores e litorais, seja por fuga para as casas de campo e segundas residências num primeiro momento, ou, num segundo momento mais recente, como uma opção mesmo de turismo. Esse espraiamento do turismo para além do centro expandido da dinâmica metropolitana é algo que devemos considerar”, observou Thiago Allis, um dos responsáveis pelo estudo paulista e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP) durante o seminário.

Os dados sobre São Paulo mostraram ainda redução expressiva nos fluxos aéreos, mesmo sem fechamento oficial de fronteiras no país, e leve recuperação da taxa de ocupação de hotéis a partir de outubro. O estado observou também um boom de drive-ins, ausência de auxílio financeiro local para artistas e retomada de bares e restaurantes de acordo com projetos piloto de flexibilização, implementados pelos governos estaduais e municipais.

Rio de Janeiro

No estado, um dos maiores destinos turísticos do país e que já sediou grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, foram analisados os impactos no turismo nas cidades de Búzios, Petrópolis, Rio e Paraty.

“Tivemos uma diminuição drástica do emprego nas atividades mais características do turismo devido ao fechamento ou redução de mão de obra nos diversos setores. O que temos hoje é uma tendência de flexibilização das medidas e incentivo à promoção dos destinos vinculados ao turismo interno e regional”, explicou Fabia Trentin, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense que participou da pesquisa.

Os dados mostraram aumento acentuado das demissões e queda expressiva nas contratações no primeiro semestre de 2020, em comparação com o período em 2019, em todas as atividades características do Turismo, como hotéis, restaurantes e agências de viagem.

A pandemia também afetou os fluxos de transporte terrestre no estado. As linhas regulares nacionais de ônibus apresentaram redução de 56% no número de veículos. Os passageiros caíram pela metade (50,9%). As linhas internacionais mostraram desempenho similar, com redução de 54,1% dos ônibus e 47,6% dos passageiros. Queda expressiva nos embarques também foi observada nos principais aeroportos, como Galeão e Santos Dumont.

As políticas públicas adotadas em nível federal, estadual e municipal foram adotadas sobretudo na forma de decretos e versaram sobre restrições à mobilidade, limitação do uso de modais, restrição de eventos e fechamento de portos. Protocolos sanitários foram implementados de março a abril, com flexibilização baseada em bandeira de cores iniciada a partir de junho.

A cidade do Rio também destinou hoteis selecionados para doentes e cancelou as comemorações do Carnaval 2021.

Pernambuco e Paraíba

Os dois estados do nordeste tiveram os impactos da pandemia medidos nas cidades de Recife, Noronha, Ipojucá (PE) e João Pessoa (PB).

Os dados mostraram queda das receitas e despesas públicas em todos municípios na primeira metade de 2020, em comparação com o ano anterior.

Em Fernando de Noronha, região em que 73,6% das atividades dependem do turismo e que adotou isolamento rígido no auge da pandemia para conter o avanço dos casos, foi registrada uma queda de 35,7% nas receitas públicas. Recife, por sua vez, observou as taxas de ocupação de hoteis caírem 47,6%.

Assim como nas demais regiões do País, as demissões explodiram na capital pernambucana: o setor de restaurantes, por exemplo, demitiu 407 funcionários em no primeiro semestre de 2019 e 3260 em 2020 – um aumento de 800%.

Apesar das políticas sociais, econômicas e sanitárias adotadas pelas autoridades locais, as pesquisadoras Ilana Barreto Kiyotani (UFPB) e Cristina Pereira de Araujo (UFPE) mostraram, no seminário, que os dados qualitativos obtidos através de entrevistas com membros do setor de turismo das cidades analisadas indicam que predomina entre estes as incertezas sobre o futuro e crença de que as dificuldades com a gestão pública do turismo serão agravadas no pós-pandemia.

Amazonas

Um dos maiores destinos turísticos do País, o estado foi um dos mais afetados pela pandemia e apresentou altos números de vítimas da Covid-19, descaso governamental com a morte de pacientes sem acesso a cilindros de oxigênio em janeiro deste ano e a circulação de uma nova variante do vírus.

Os pesquisadores analisaram os efeitos do cenário no turismo de diversos municípios, como Manaus, Humaitá e Parintins. Os prejuízos seguem o perfil dos impactos observados em outras regiões do país: redução de fluxos de mobilidade, prejuízos econômicos e alta nas demissões, com destaque para os trabalhos formais no setor de transportes, um dos mais afetados pela pandemia. A dificuldade para encontrar dados também marcou o levantamento na região, segundo os pesquisadores.

A pesquisa mostrou também queda no número de empresas turísticas do setor privado no primeiro semestre de 2020, em comparação com o mesmo período do ano anterior, em cidades como Rio Preto da Eva (de 158 empresas para 126) e a capital Manaus (de 11483 para 11253). Outros municípios como Parintins e Humaitá, no entanto, registraram aumento no número de empresas do setor em 2020.

“Pode parecer estranho, já que muitas empresas tiveram dificuldade para se manterem ativas na pandemia. Mas há probabilidade que essas já operavam sem cadastro antes e, nesse período, se formalizaram. Isso destaca a importância da formalização, principalmente para pleitear recursos, auxílios e benefícios que foram disponibilizados durante a pandemia”, explicou Glaubécia Teixeira da Silva da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Os fluxos aéreos e de transporte locais também foram afetados – a não realização do festival do Boi Bumbá em Parintins em junho, por exemplo, colaborou para queda de 66% nos embarques e desembarques no município.

Políticas públicas para mitigar prejuízos foram adotadas nos três níveis de governo, que incluiu protocolos para restabelecimento da economia local e para visitação das unidades de conservação do Mosaico do Baixo Rio Negro, além de medidas como suspensão de licitações e prorrogação de prazo para pagamentos de tributos.

Uma das principais estratégias adotadas foi o plano de retomada da atividade turística no Amazonas, chamado Amazone-se e implementado no segundo semestre. Ele incluiu estratégias de marketing e divulgação da região, capacitação das secretarias de turismo para adoção de protocolos, suporte a atividade empresarial, com crédito emergenciais para o setor, e conclusão de obras de infraestrutura turística como o Museu do Boi de Parintins.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*