Em 2020 o mundo todo foi surpreendido pela disseminação em escala mundial do Sars-Cov-2, afetando todas as economias ao redor do mundo. A pandemia do novo coronavírus moldou a forma como os países se comportam em todos os âmbitos – econômico, social, cultural, etc. Em grande parte dos países, a pandemia acabou por expor os problemas na educação e principalmente no campo da saúde pública.
As reportagens a respeito de como as grandes potências estão lidando com a pandemia ocupam grande parte dos noticiários, sendo atualizadas a todo o momento. Em contrapartida, entretanto, poucos são os veículos de mídia que buscam dar a mesma atenção aos países ditos em desenvolvimento ou aos países mais pobres, ficando estes, também no que tange a pandemia, às margens do mundo.
Em países nos quais os problemas econômicos e sociais já são crônicos, a pandemia do coronavírus acabou por aumentar ainda mais os gargalos presentes nesses lugares. Buscando trazer uma maior visibilidade da situação da pandemia nos países menos desenvolvidos e uma análise acerca da recuperação desses países pós-pandemia, entrevistamos Maria Antonieta Del Tedesco Lins, doutora em economia pela Fundação Getúlio Vargas e professora do Instituto de Relações Internacionais da USP.
É possível estipular o quanto os países menos desenvolvidos foram afetados pela pandemia do novo coronavírus?
De uma forma geral, analisar os países menos desenvolvidos na verdade é difícil especialmente nesse caso da pandemia. Por quê? Porque houve muita diferença entre eles no grau de impacto, no grau de efeitos econômicos e sociais sobre a população. E também acho que uma coisa que é muito importante é a gente ter em conta que eles partiram de situações muito distintas tanto do ponto de vista em comparação aos países mais desenvolvidos, como também entre eles.
Ao olharmos aqui para o nosso continente, a América do Sul, alguns países sofreram muito, e isto está relacionado com o grau de desenvolvimento econômico e o grau de renda deles. Exemplo de um dos países que sofreram muito foi o Peru, ou o Equador, onde no começo foi algo calamitoso, onde, assim como no Brasil, também têm muita economia informal somada com a incapacidade do sistema de saúde.
Depois, um outro aspecto que eu acho muito importante sobre isso é o fato de que nos países onde já havia muita desigualdade social e de renda, que é o caso do Brasil, a pandemia foi muito nefasta, porque ela afetou muito mais as camadas de renda inferior que tiveram pouca possibilidade ou menos possibilidade, primeiro de trabalhar de casa, especialmente os grupos de população que estão em atividades da economia informal. Então ela teve um efeito tanto do ponto de vista de saúde pública quanto de mortalidade, muito maior nesses grupos de renda menos favorecidos.
Para além do Covax (a aliança mundial para a distribuição de vacinas), o que as grandes potências podem fazer para auxiliar os países menos desenvolvidos?
Acho que é o momento mais do que oportuno para haver cooperação internacional. Por exemplo, o Canadá comprou desde o começo um número de vacinas muito superior à população, então ele vai ter um superávit de vacina. Isso para dizer uma coisa muito imediata, simples e necessária, que no caso do Canadá acredito que possa ser feito, que é dar as vacinas.
Depois, outras coisas como empréstimos, ajuda direta, sentido de doação mesmo de dinheiro para vários países. Eu acho que é muito necessário que isso ocorra, mas eu acho que é uma característica dessa pandemia, de como ela foi gerida pelos diferentes países, a gente vê pouquíssima, senão nenhuma, cooperação internacional. E certamente esse é o momento mais do que necessário para isso.
Os países ricos conseguem fazer a política social, pois conseguem se endividar a um custo relativamente baixo porque todo mundo confia que eles vão pagar. Acontece que isso não é verdade para todo mundo, não é verdade para o Brasil, não é verdade para maioria dos países emergentes e em desenvolvimento.
Então eu acho que uma estrutura de financiamento que seja ou gerida através de organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, ou o próprio FMI, onde desde o começo, a diretora geral propôs linhas de crédito. E tudo isso tem que ser disponibilizado para os países, e os países ricos que deveriam pagar. A questão é que não é evidente que isso vai ocorrer em um horizonte próximo.
Quanto tempo a Sra. acha que pode levar para que esses países possam se recuperar?
Eu acho que a recuperação depende das vacinas, de um percentual da população vacinado, mas acredito que esse ano está perdido. Eu veria uma possibilidade de recuperação a partir de meados do ano que vem, ou mais para 2023. Eu acho que esse primeiro semestre de qualquer forma está muito comprometido porque mesmo nos países ricos, o percentual da população vacinado é muito baixo ainda, e na maior parte dos países pobres você tem todos esses problemas que foram gerados, de desigualdade de aumento de pobreza. Então eu diria que um horizonte mais calmo eu imaginaria a partir de 2023.
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