Questões climáticas são as principais responsáveis pela migração forçada no mundo

Dados apontam que grande parte dos refugiados do mundo se dá em razão de desastres ambientais

Refugiados do Sudão do Sul rumo a Etiópia [Crédito: Lars Oberhaus/Fotos Públicas]

As últimas décadas vêm sendo marcadas por diversas crises humanitárias a acometer diversas partes do globo, sejam elas guerras, desastres naturais ou doenças. Tais crises acabam por ser responsáveis por uma das situações mais graves, complexas e urgentes a serem solucionadas no mundo, que é a crise de refugiados, um dos maiores desafios da história recente.

Atualmente, aproximadamente 1% da população mundial é afligida pelo deslocamento forçado. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), ao final de 2019, o mundo atingiu um número recorde de 79,5 milhões de pessoas em estado de migração forçada, sendo que 34 milhões são crianças. Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul e Mianmar representam os países com maiores números de emigrantes.

Apesar das guerras e conflitos terem ganhado certo destaque e relevância como os grandes agentes causadores de tal fenômeno, estes fatores, apesar de importantes, não formam a principal causa de grande parte do êxodo de refugiados. Ao contrário do senso comum, grande parte dos deslocamentos forçados e refúgios no mundo se dão por desastres naturais como alagamentos, terremotos, vulcões ou ciclones.

Rastros da passagem do tufão Haiyat em 2013, na cidade de Tacloban, Filipinas [Créditos: OCHA/ Fotos Públicas]
De acordo com a pesquisa do professor Luciano Aparecido dos Santos Pimentel, doutor em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) e Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEARP-USP), entre 2008 e 2018, 77,5% dos deslocamentos foram causados por desastres naturais, o que equivale a um número de aproximadamente 265,3 milhões de pessoas.

“Essa é uma questão que sempre me deixou curioso. É curioso que muita gente dá atenção só a guerras como o fator de expulsão para gerar refugiados. Porém, ao pesquisar para o tema, me assustei que o número de pessoas deslocadas ou refugiadas por eventos climáticos é muito maior do que os deslocados por conflito”, comenta Pimentel. “Este é um tema que cada vez mais vai tomar atenção na mídia, porque é inegável que a mudança climática está ocorrendo, sendo cada vez mais difícil de reverter. Com os países não dando a devida atenção, o número de refugiados vai aumentar muito”.

Para o professor, a raiz disso está nas cartas da ONU que regem sobre as definições e direitos dos refugiados. “A ONU reconhece o refugiado como aquele que se desloca por causas específicas, como guerras, fugas por violência, perseguição política, etc. Isso se deve, entretanto, no fato que esse documento foi feito logo após a Segunda Guerra Mundial, e tentou sanar o problema das pessoas naquela época. Naquela época, as pessoas refugiadas eram refugiadas de guerra e refugiados políticos em uma guerra ocorrida na Europa. Então se buscavam resolver os problemas daquele momento. Naquele momento não se falavam em problemas ambientais, ao qual viriam começar a acontecer somente na década de 80”.

Mesmo representando mais da metade e a principal causa de migrações forçadas no mundo, muito pouco disso é debatido ou divulgado na grande mídia. “Para que um tema ganhe espaço na mídia, ele precisa que os principais países sejam afetados. Hoje, falaríamos dos EUA, mas eles não enfrentam exatamente esse problema pois seus refugiados são oriundos basicamente do México.  A China, por ser um país isolado e fechado, com um controle mais rígido, também não enfrenta um problema com isso. Os principais países então a enfrentar esse problema são os países da Europa, sendo justamente lá onde a discussão toma mais força” analisa Pimentel.

Campo de refugiados em Dzaipi, Uganda [Créditos: UNHCR]
Pimentel busca destacar, contudo, que apesar de ser pouco comentado e da preocupação europeia com a chegada de refugiados no continente, grande parte das pessoas que migram por enfrentarem problemas como guerra ou questões climáticas na África e Ásia vão para os países vizinhos. Dados de 2020 da ACNUR apontam que estes países recebem cerca de 73% de todos os refugiados, com Turquia, Paquistão e Uganda sendo os principais países de acolhimento.

Apesar de ser ainda pouco debatido, Pimentel ressalta: “Questões sanitárias, como a pandemia, tendem a ficar mais em evidência e afetar muito mais as pessoas vulneráveis por conta de recursos de deslocamento. As mudanças ambientais, principalmente as climáticas, tendem a causar uma série de problemas. Hoje, estes problemas sobre [os refugiados ambientais] não são tão discutidos por conta da pandemia (que também é causada indiretamente por mudanças climáticas). Mas não se engane, é um número crescente de pessoas, e esse problema vai aumentar cada vez mais. Em algum momento o mundo vai precisar discutir essa questão com mais atenção”.

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