
Casos graves de covid-19 estão atrelados a sequelas cognitivas, algumas irreversíveis, aponta estudo desenvolvido na Faculdade Medicina da USP. As sequelas podem ir desde um acidente vascular cerebral (AVC) até pequenos esquecimentos do dia a dia, e podem atingir tanto a topografia cerebral quanto as funções cognitivas.
Inicialmente, a pesquisa contou com amostra de 185 pacientes do Instituto do Coração (InCor) Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, sendo que atualmente participam mais de 800 voluntários. O estudo foi considerado relevante para a saúde pública pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que solicitou que o número de voluntários fosse acrescido para atingir resultados conclusivos com objetivo de ajuda humanitária.
A neuropsicóloga Lívia Valentim, do Departamento de Coronariopatia do InCor, professora da FMUSP e autora do estudo, explica que a baixa saturação de oxigênio causada pela covid-19 é uma das causas principais do prejuízo das funções cognitivas. Apesar das sequelas atingirem principalmente quem teve quadro grave da doença, pessoas que tiveram a infecção de forma leve, moderada ou mesmo assintomática não estão livres de sequelas.
O estudo observa que o coronavírus é capaz de acelerar a manifestação de doenças cerebrais ainda não detectadas, como o caso do Alzheimer. “Além de ser hereditário, a doença só é desencadeada por quem tem a apolipoproteína E (Apo-E-4). No nosso estudo, estamos investigando que, além da dessaturação, pessoas passaram a apresentar quadros de Alzheimer. As quais não tinham apresentado anteriormente. O coronavírus iniciou um processo de demência”, informa a médica.
Além da Apo-E-4, responsável por causar o Alzheimer, a covid-19 também pode desencadear a manifestação de escleroses e problemas no sistema nervoso em pessoas que possuem as proteínas interleucinas. Alguns indivíduos também podem ter outros tipos de sequelas simultaneamente às cognitivas, como o comprometimento de funções físicas, seja no pulmão, no coração, problemas vasculares ou diabetes do tipo 2. “A relação entre a covid-19 e as sequelas cognitivas vai além da dessaturação de oxigênio abaixo de 95%. Quanto menor a dessaturação, pior a sequela e maior o comprometimento da função cerebral cognitiva”, explica Lívia.
As sequelas cognitivas mais comuns encontradas no estudo foram a falha na memória e nas atenções, principalmente na visuopercepção e visuoconstrução, causando dificuldade de marcha, tanto na fala quanto no andar. Pessoas que, após a covid-19, passaram a tropeçar muito, não andam normalmente, cambaleiam, têm dificuldade na fala, trocam letras ou palavras e esquecem pronúncias devem procurar profissionais especializados para realizar testes de cognição e investigar possíveis sequelas da doença.
A especialista ressalta que é essencial se atentar aos sinais que indicam possíveis sequelas, como uma falha na memória, mesmo que sutil. Situações de esquecimento como ir à cozinha e não recordar o que se pretendia fazer, não se lembrar de pagar uma conta ou até mesmo o sono desajustado podem ser indícios de que há algo de errado: “sonolência diurna excessiva é uma disfunção cognitiva, busque ajuda o mais rápido possível”, alerta Lívia.
Algumas sequelas serão irreversíveis e outras terão resultados satisfatórios de recuperação após a reabilitação, que é essencial para que os pacientes acometidos por sequelas cognitivas retornem à normalidade de suas vidas: “quanto mais rápido o paciente for reabilitado, mais rápido voltará a ser quem era anteriormente. O tratamento funciona dentro de um protocolo clínico e demanda tempo”, diz a professora.
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