Estudo conclui que vacina do HPV não causa crises epilépticas

Vacina disponibilizada pelo SUS previne de doenças como câncer de colo de útero em mulheres

Estudo pioneiro da USP conclui que vacina do HPV não causa crises epilépticas – Foto: Arte sobre foto/ Rovena Rosa, Agência Brasil/ Freepik

Estudo feito por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da USP, publicado em um dos principais periódicos de vacinas do mundo, concluiu que a vacina para o vírus papiloma humano (HPV), responsável por doenças como o câncer de útero, não causou sequelas neurológicas em adolescentes. Liderada por Renato Luiz Marchetti e José Gallucci Neto, a investigação foi feita com 12 adolescentes que desenvolveram quadros de crises convulsivas. Ao contrário do que o movimento antivacina afirmava, a conclusão dos pesquisadores é a de que o imunizante é seguro e que os sintomas desenvolvidos pelos jovens se enquadram à crise não epiléptica psicogênica.

Possíveis efeitos adversos após a campanha de vacinação contra o HPV, ofertada pelo Sistema Único de Saúde e tomaram a mídia nos últimos cinco anos. No estado do Acre, 72 casos foram relatados entre os períodos de 2014 e 2019 com sintomas diversos, variando desde dor de cabeça e náuseas até a desmaios. Análise de médicos do estado apontou ainda que 16 jovens e adolescentes de faixa-etária entre 11 e 17 anos apresentaram sintomas adversos, como quadros convulsivos.

A suspeita inicial era de que se tratava de crise psicogênica não epiléptica, doença em que as pessoas sofrem crises convulsivas cuja origem é Psíquica. Como a região Norte não possuía equipamentos adequados para o diagnóstico, os médicos procuraram um complexo de referência, tendo sido escolhido o IPq.

Pessoas ligadas ao movimento antivacina, por sua vez, afirmavam que esses casos representavam a confirmação de que a vacina HPV apresentava riscos à população. Muitos ser articulavam em esferas municipais, estaduais e federais para tentar interromper a campanha nacional de imunização.

Dentre os 16 que tinham sintomas agudos, quatro adolescentes não participaram da pesquisa – a família de dois se recusou e outros dois não puderam integrar o grupo inicial. Os entes dos que se recusaram foram duramente impactados pelos discursos antivacinas, produzindo conteúdos com teor negacionista e que pedia o fim das campanhas de vacinação contra o HPV. Dos 12 que aceitaram integrar o estudo, 11 eram do sexo feminino e um do sexo masculino, sendo ele irmão de uma das adolescentes.

Procedimentos do estudo clínico

Os participantes do estudo passaram por monitoramento eletroencefalográfico contínuo durante duas semanas, ou seja, ficaram reclusos por quinze dias com eletrodos na cabeça, além de terem passado por exames complementares, como ressonância magnética, de sangue e de líquor (fluído extraído da medula espinhal).

A monitorização foi importante para identificar as atividades elétricas do cérebro. A crise epilética é gerada a partir da atividade elétrica anormal. Com a observação durante crises convulsivas, caso sejam encontradas descargas epilépticas durante os eventos críticos, o diagnóstico é epilepsia. Caso contrário, tem-se a crise não epilética psicogênica.

Os testes complementares tinham como objetivo excluir outras eventuais doenças. Através do exame de sangue e do líquor foi possível excluir quadros de distúrbios metabólicos e infecciosos. Já os exames de imagem descartaram as doenças neurológicas estruturais e vasculares, principalmente as oriundas de variações anatômicas.

Exames e testes feitos pelos pesquisadores contribuíram para diagnóstico preciso – Foto: adaptado de Marchetti et al …

Todas estas inquirições clínicas, de acordo com José Gallucci Neto, psiquiatra e diretor da unidade de Vídeo Eletroencefalografia, tinham como objetivo dar robustez ao estudo. Segundo ele, a própria comunidade científica questionou a profundidade da investigação. “Os revisores da revista nos perguntaram porque fizemos tantos exames nos adolescentes. […] Fizemos todos os exames necessários para não darmos margem a questionamentos, pois se tratava de uma questão de saúde pública. A ideia era eliminar qualquer dúvida diagnóstica desses casos”, explica.

Resultados do estudo

Após a análise dos resultados, os pesquisadores encontraram dez casos de crises convulsivas de origem não epiléptica, ou seja, crises não epilépticas psicogênicas. Todas essas pessoas eram do sexo feminino, o que Gallucci afirma ser normal, pois essa doença costuma afetar mais mulheres do que homens.

Como medida de tratamento, o corpo médico orientou a suspensão dos eventuais medicamentos que elas poderiam estar utilizando para conter as crises e as encaminhou para terapia específica de natureza cognitiva-comportamental. Dois casos foram confirmados como patologias epiléticas, porém não havia nenhuma relação com a vacina. Ambos eram irmãos e, de acordo com o diagnóstico, a doença tinha origem genética.

Os pesquisadores concluíram que a Vacina HPV é segura e não desencadeou nenhuma doença neurológica. “Sabemos que os participantes do estudo tiveram um problema de saúde médico, mas temos 100% de certeza que esses casos não têm nenhuma relação com o agente imunobiológico da vacina”, afirma José Gallucci Neto. Para ele, esses quadros estão relacionados com a forma como a campanha de vacinação aconteceu.

Para Gallucci e Marchetti, os sintomas apresentados pelas dez adolescentes estão relacionados à forma como a campanha de vacinação aconteceu, se enquadrando no chamado estresse pós vacinação.

Através de entrevistas com os familiares das participantes, os pesquisadores do IPq observaram que elas não foram devidamente preparadas e orientadas sobre a campanha. Muitas foram vacinadas em filas, tendo permanecido em pé por longos períodos de tempo, além de não terem sido alertadas de possíveis efeitos colaterais do imunizante. Todas estas questões reiteraram a conclusão clínica do estudo.

Apesar de ser um evento raro, casos de múltiplas crises não epilépticas psicogênicas já aconteceram em outras campanhas vacinais, como nas de cólera, hepatite e tétano em países como Colômbia, Canada, Vietnã e Japão. Todavia, esse é o primeiro estudo que conseguiu concluir o diagnóstico a partir de análise clínica – nas outras situações, a conclusão ocorria a partir de probabilidade, sem um estudo feito a partir de exames.

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