‘Lembrete de quanto nossos dados são valiosos’: pesquisadores da Faculdade de Direito da USP avaliam importância e reflexos da LGPD

Foto da Terra via satélite como porções iluminadas (Foto: Nasa/Unsplash) 

“Bom dia, é cliente X? Pode digitar o CPF”. Mais do que descontos em mercados, farmácias e outros estabelecimentos comerciais, a frase – aparentemente trivial – pode ter efeitos irreparáveis para a privacidade. A discussão sobre este tema voltou à tona após a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), a LGPD, entrar em vigor, em 18 de setembro de 2020.

As complexas questões envolvendo os efeitos práticos da aplicação da lei sobre usuários e empresas são tema do grupo de estudos Direito Civil na Sociedade em Rede, coordenado por Eduardo Tomasevicius, professor da Faculdade de Direito da USP (FDSUP). Além de abordar aspectos práticos, o grupo, que reúne estudiosos de diferentes áreas do direito, comunicação e tecnologia, também se dedica a estudar a construção histórica da privacidade e proteção de dados, divulgando parte do trabalho de pesquisa no Instagram @LGPDUSP. 

“Os empresários precisam cada vez mais de dados para atender melhor às demandas dos consumidores que, por sua vez, querem ser mais bem atendidos. Existe um paradoxo que é a dificuldade de estabelecer um ponto de equilíbrio entre o quanto um indivíduo concorda em abrir mão de sua privacidade para ser satisfeito”, afirma o professor coordenador do grupo. 

Entre as consequências decorrentes do processamento de dados pessoais estão a identificação de padrões de consumo e comportamento que podem resultar na negação de crédito bancário e de cobertura de planos de saúde. Isso porque os dados coletados ao se fazer compras não ficam restritos ao sistema de um determinado estabelecimento, podendo ser compartilhados com outras empresas interessadas.

O Professor da Faculdade de Direito da USP, Eduardo Tomasevicius (Foto: Acervo Pessoal)

Para o advogado João Guilherme Chaves, doutorando na FDUSP e pesquisador do grupo, “A LGPD não irá fazer milagres, ainda mais pela dificuldade que é regular o fluxo de dados pelas redes, que se tornam cada vez mais dinâmicos e complexos”. “Espero, porém, ver o desenvolvimento de uma maior responsabilidade no tratamento de dados, baseada na boa-fé nas relações sociais”, indica.

O tratamento dos dados – entendido como qualquer operação realizada com dados pessoais – é um dos pontos centrais da LGPD. A lei obriga que as empresas sejam transparentes ao avisar o usuário sobre a coleta de coleta de dados e sua finalidade, incluindo questões sobre tratamento, que só pode ser feito com o consentimento.

“Existem agora motivos específicos pelos quais um dado pode ser coletado, o consentimento informado sendo o mais importante”, explica Mariana Almirão, advogada, doutoranda na FDUSP e pesquisadora do grupo.  Para ela, a LGPD tem o papel  ajudar as pessoas entendam o valor de seus dados pessoais e o que acontece quando são revelados.

Segundo Thomas Kefas de Souza Dantas, professor de direito, doutorando na FDUSP e pesquisador do grupo, com a lei “as empresas terão maior responsabilidade e a população em geral ganhará em termos de segurança”. 

Tomasevicius é mais cético com relação ao impacto provocado pela lei, apesar de reconhecer os avanços que ela proporciona. Segundo o professor da USP, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet e até mesmo a Constituição Federal já garantiam certa proteção à privacidade e dados no Brasil. “Não havia uma Lei Geral de Proteção de Dados, mas nosso ordenamento respondia à altura do problema”, avalia. 

Entre as questões pendentes está a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, figura criada para fiscalizar o cumprimento da lei e aplicar sanções administrativas. Uma série de trâmites legislativos determinou que os artigos da LGPD referentes às sanções administrativas entram em vigor apenas em agosto 2021.

Logotipo do grupo LGPD USP (Foto: Divulgação)

Mesmo com a ausência da aplicação de sanções, os efeitos da LGPD já podem ser percebidos. “Certamente as empresas vão precisar de uma reformulação na sua organização para se adaptar a essa nova realidade, o que poderá ser custoso em um primeiro momento, mas que irá deixá-las mais preparadas para essa realidade”, afirma Chaves. 

Almirão concorda e destaca que os investimentos são da ordem de dezenas de milhares de reais, incluindo desde a contratação de profissionais especializados e a aquisição de softwares para o tratamento adequado de dados. 

Além de proteger os dados pessoais, a entrada em vigor da LGPD serve como lembrete de quanto eles são valiosos e, por isso, protegidos pelo direito. “Ao explorar os dados pessoais, estamos lidando com sujeitos, com informações que por vezes invadem a esfera da privacidade de pessoas. Ao contrário de um vazamento de óleo, que por mais difícil que seja, pode ser contido, em um vazamento de informações pessoais essa contenção não ocorrerá”, pondera Dantas. 

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