Focos de incêndio aumentaram nas regiões de Cerrado e Mata Atlântica em setembro, indica o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). “É mais um reflexo da dificuldade brasileira em cumprir a política ambiental, por conta de interesse econômico”, analisa Silvia Sayuri Mandai, pesquisadora do programa de pós-graduação em Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.
O número de queimadas em todo o Brasil nos primeiros nove meses de 2019 já ultrapassou a quantidade registrada no ano completo de 2018. O Cerrado foi a região mais afetada, com mais de 22 mil focos (o dobro em relação ao mesmo período do ano passado), e a Mata Atlântica vem logo em seguida, com mais de 4 mil focos (um aumento de 87,65%). Ambas são áreas de hotspot, ou seja, biomas com alto grau de endemismo (espécies exclusivas daquele local) e que sofrem ameaças por conta de atividades antrópicas e a baixa área de mata natural remanescente.
A pesquisadora afirma que não há diferença no processo de Avaliação de Impacto Ambiental para essas áreas, mas pontua a existência de uma lei específica para a Mata Atlântica (Lei Nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006). Essa menciona a necessidade de se elaborar um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental. Desde a ECO-92, a Convenção da Diversidade Biológica inclui a biodiversidade no impacto ambiental.
Ao observar esses EIAs, tanto da Mata Atlântica quanto do Cerrado, porém, percebe-se que são estudos muito descritivos, mas pouco analíticos. “Falta direcionamento para que represente ganhos à conservação biológica e não seja algo somente burocrático”, explica Mandai, cuja dissertação retratou a biodiversidade em EIAs do Estado de São Paulo.
Ela aponta uma deficiência na integração do nível genético, tanto no diagnóstico ambiental, quanto na avaliação do impacto, o que prejudica o aumento de espécies com maior aptidão a mudanças ambientais. E também comenta que é comum ter o apontamento de espécies ameaçadas ou sensíveis à extinção, mas os estudos não utilizam esse dado como fator de monitoramento, tornando-se mera estatística burocrática.
Outro ponto interessante corresponde à hierarquia de mitigação, que parece invertida. Muitas vezes a compensação e a mitigação estão mais presentes do que a questão de evitar esses impactos. Os estudos costumam trazer a justificativa da escolha de uma área ou tecnologia, mas poucos apontam quais eram as outras alternativas e evidenciam quais critérios de biodiversidade foram levados em conta.
No entanto, o problema não se resume às empresas. Os órgãos ambientais também devem melhorar. Isso porque, quando a empresa submete um EIA, precisa ir até a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) para obter um termo de referência que coloca quais tópicos precisam ser embarcados no estudo. “Se os termos de referência forem mais claros e direcionados para análises mais profundas, também seria uma forma de melhorar os estudos para a conservação biológica”, pondera Mandai.
Quando o Brasil não cumpre os compromissos da Convenção de Diversidade Biológica, acaba por perder o direito de voto em reuniões. Foi o que aconteceu com a 14ª Conferência das Partes (COP-14) de 2018, no Egito. Apesar de ser um país megadiverso, o Brasil não pode opinar nas questões pertinentes ao Protocolo de Nagoia, que trata da repartição justa entre seus membros dos benefícios decorrentes dos recursos genéticos das plantas, animais e micro-organismos.
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