Atletas olímpicos de 1968 não tinham noção da realidade política global

Depoimentos demonstram que os representantes brasileiros não tinham contato com o cenário político da época

Servílio de Oliveira foi um dos representantes brasileiros naquela edição. Imagem: Arquivo / Agência Estado

Os atletas olímpicos que participaram das Olimpíadas de 1968, no México, demonstraram não acompanhar a situação política da época e as manifestações ocorridas durante o evento. A pesquisa foi feita pelo doutor pela Escola de Educação Física e Esporte da USP (EEFE) Dhênis Rosina, a partir de 54 entrevistas feitas entre 2001 e 2014 pelo o Grupo de Estudos Olímpicos (GEO).

Aquela edição dos Jogos Olímpicos foi a primeira a ser realizada na América Latina e estava envolta internacionalmente pela Guerra Fria e nacionalmente pela Ditadura Militar. O estudo, então, buscou observar qual seria a condição do atleta brasileiro para se envolver em política em 1968, além de criar uma narrativa geral do evento a partir das histórias de quem representou o Brasil. 

Os diversos depoimentos dos atletas possuem dois aspectos principais, referentes a memória individual de cada atleta, e a memória coletiva. Desta forma, foi possível observar tanto as dificuldades individuais específicas de cada um quanto os momentos mais marcantes para a delegação brasileira, como a cerimônia de encerramento.

Os atletas militares, devido ao contexto nacional, eram os que tinham maior envolvimento político. Para Dhênis Rosina, a questão pode ser explicada pelos objetivos de cada atleta: “Qual é a razão dele? A razão dele são os Jogos Olímpicos, então ele vai tentar sobreviver e treinar. Nós não temos uma política de esporte estabelecida até hoje. Quando você começa a observar as condições deles em 68, percebe-se que os atletas não tinham condições de ter participação política”.

  Em contrapartida aos atletas brasileiros, as manifestações de atletas negros estadunidenses naquela Olimpíada mostraram que esporte e política se misturam. Uma explicação para os atos norte-americanos é o fato de que o esporte está muito presente dentro de suas universidades. “O atleta não precisa parar de treinar para se envolver no ambiente político da época. No Brasil, as manifestações políticas estão restritas a intelectuais e artistas. Os atletas estão à margem deste processo”, explicou o pesquisador.

Analisando o perfil dos competidores brasileiros, a maioria deles estava em universidades, mas outros fatores, como classe social e condição econômica, acabavam impedindo o envolvimento com a política. Mesmo aqueles que possuíam melhores condições, e adentravam faculdades como as da USP, onde ocorreram grande parte dos piquetes contra a ditadura, gastavam seu tempo treinando e estudando na medida do possível. “Quando reconstruí o cotidiano do atleta, percebi que ele não tem envolvimento político nenhum. São questões que não alcançavam a vida do atleta”, afirmou Dhênis.

A pesquisa também levou em conta que parte das narrativas dos atletas poderia ser reconstrução histórica da memória, tentando separar do que seria construção da experiência em si, sem descartar nenhum dos dois. Um exemplo analisado foi o do pugilista Servílio de Oliveira, que ao observar George Foreman, boxeador norte-americano, conquistar o ouro após vencer um atleta soviético e desfilar com uma bandeira americana não conseguia entender a relevância do ato. “Depois é que ele foi entender a importância daquilo. Ele mesmo demonstra a reconstrução de significado daquele momento”, explicou o pesquisador.

George Foreman com a bandeira dos EUA após conquistar o ouro. O ato era patriótico e se opunha ao movimento dos panteras negras. Foto: AP Photo/Kurt Strumpf

Ainda assim, é possível perceber na fala dos atletas a influência da Guerra Fria no esporte, no qual as ações de países do bloco comunista tinham mais peso. Katia Rubio, orientadora do trabalho e coordenadora do GEO, afirmou que “pode-se observar um reforço do papel de vilão da União Soviética e seus aliados em relação aos países europeus. Os casos de doping europeus, por exemplo, eram tratados como acidentais e quando eram soviéticos eram aqueles monstros preparavam ciborgues”.

Dhênis Rosina também destacou que não é porque os atletas não tinham condições de atuarem politicamente que se pode concluir que os esportistas são ingênuos e apolíticos: “A política que cabe ao atleta brasileiro e que ele alcança é uma política que está dentro de seu cotidiano, no enfrentamento dentro da modalidade e em relação aos dirigentes”.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*