Que a população transexual é um dos grupos minoritários mais violentados na sociedade não é segredo. Em sua dissertação de mestrado desenvolvida no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), o pesquisador Ubirajara Caputo reconheceu o Estado como um dos principais agressores às pessoas trans, bem como pontuou outros grupos e violências cometidas.
Por meio de um serviço de denúncias do governo federal ligado à então Secretaria dos Direitos Humanos, Caputo fez um recorte de relatos ligados a violações de direitos humanos de transexuais. A partir disso, os organizou conforme tipo de violência, região geográfica, padrões de agressores suspeitos, entre outras categorias, e os analisou com base em epistemologias interdisciplinares.
O pesquisador destaca algumas categorias de violências e agressores que vieram dessas denúncias. É aqui que entra o Estado como um agente agressor em particular. As instituições públicas de saúde e segurança, por exemplo, mostram-se negligentes e, na maior parte dos casos, coniventes e disseminadoras de outras violências sofridas por pessoas trans. “Quando uma transexual procura atendimento em um posto de saúde e recebe um ‘eu não vou te atender, porque não atendo esse tipo de coisa’, ela está sofrendo uma violência a partir da negligência do Estado”, exemplifica Caputo. Nesse sentido, ele reitera que a violência estatal é mundial: “Uma travesti tem medo de entrar em uma delegacia para denunciar algum crime cometido contra ela não só aqui, mas também na Malásia, no México, nos Estados Unidos, etc”.
No Brasil, esse contexto da violência policial é ainda mais crítico. Muitas vezes, está ligada à exploração de pontos de prostituição em que é exigido das trans algum tipo de pagamento em troca de segurança ou de “vista grossa”, seja sob a forma de propina ou de algum subjugo sexual. Caputo exemplifica, também, com casos de quando pessoas transexuais são presas, pedem para serem atendidas por policiais femininas no momento da revista física e o pedido não é respeitado. Ou ainda quando entram em delegacias para denunciar que foram vítimas de estupro ou roubo, por exemplo, e são culpabilizadas ou incriminadas. “Elas se perguntam: ‘quem é que vai me proteger, já que quem deveria me violenta também? Isso aumenta a sensação de desamparo e de autovigilância”, explica Caputo.
Além do Estado, entre os agressores se enquadram grupos de homens cujas violações ligam-se mais a violências físicas e sexuais. Já mulheres, apesar de agredirem em menor número, também são consideráveis e propagam discriminação, desvalorização e desqualificação da vítima. Dentre as categorias de violências, se enquadram: agressão verbal, ameaça e/ou tentativa de morte, ameaças (exceto de morte), assassinato, discriminação, negligência, prejuízo financeiro, violência física e violência sexual.
O pesquisador ainda afirma: “São muitas dimensões e muitos lados, e sabemos que isso não acontece só com as pessoas trans, mas, falando especificamente delas, existe um modus operandi que liga extorsões, abusos sexuais e explorações em um caldeirão de violências”.
Os eixos operativos da violência
Caputo, além de tabular os dados coletados pelas denúncias, traçou cinco eixos operativos que, de certa forma, produzem e perpetuam violências contra pessoas trans. São eles:
Ele explica que as origens desses eixos operativos são históricas. Partem de uma ideia transmitida secularmente de que seres humanos ou são do sexo masculino ou do feminino, e isso pressupõe scripts de atuação: o que identifica o homem, em termos de script social, é que ele não é mulher e vice-versa. Nesse sentido, as transexuais significam uma ameaça a esse modelo, uma vez que denunciam que não existe essa dicotomia.
“O ser humano é um espectro amplo de sensações e identidades referentes a gênero e sexualidade. Isso é uma ameaça fantasmática, porque ameaça apenas uma estabilidade que nunca existiu. A sociedade finge que existem apenas homens e mulheres em termos ideais, só que não é assim que a banda toca e sabemos disso”, encerra o pesquisador.
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