Má higiene oral aumenta chances de câncer

Pesquisa realizada pela Faculdade de Odontologia da USP aponta que falta de cuidado bucal potencializa efeitos cancerígenos do tabaco e pode quadruplicar as chances de desenvolvimento dos cânceres de boca, cabeça e pescoço

Aftas persistentes, que permanece por mais de 15 dias, podem ser sinal de câncer de boca (Imagem: Vila Odonto)

Uma boa higiene oral pode ser peça chave na prevenção ao câncer. É o que defende Nayara Fernanda Pereira, pesquisadora da Faculdade de Odontologia da USP (FOUSP), em sua tese de mestrado. Segundo o estudo, má escovação, perda dentária e sangramento bucal são fatores de risco e podem aumentar de duas em até quatro vezes as chances de desenvolvimento dos cânceres de boca, cabeça e pescoço.

A pesquisa foi desenvolvida em parceria com o projeto Gencapo, da Faculdade de Saúde Pública da USP, que coletou dados de cinco hospitais por um período de cinco anos. O estudo comparou os hábitos de um grupo de pacientes afetados pelo câncer com os de um grupo saudável, cada qual com uma amostragem de 899 pessoas. O objetivo era demonstrar a correlação entre um histórico de má higiene — utilizando-se de variáveis indicativas como a perda dentária — e o desenvolvimento da doença.

De acordo com a pesquisadora, “em biologia, isso é plausível porque a má higiene contribui para a inflamação, que é uma das causas de câncer. E também produz muitos compostos, como a nitrosamina, que são carcinógenos”. A substância cancerígena é liberada a partir da decomposição de alguns alimentos, como carnes processadas, e de processos inflamatórios. A inflamação causa ainda um aumento na quantidade de vasos sanguíneos na região, que associado à substância gera um ambiente tumoral favorável.

Para analisar os dados, foram utilizados procedimentos estatísticos. Os resultados podem ser vistos por meio de uma escala numérica decimal. As variáveis que obtiveram pontuação abaixo de um foram denominadas “protetoras” e não apresentam impacto negativo no desenvolvimento da enfermidade. Já as superiores a um mostraram-se associadas ao aumento do risco. Assim, com um ranking de 3,86, pacientes com seis ou mais dentes perdidos apresentam quase quatro vezes mais chance de desenvolver a doença do que aqueles que não tiveram perda dentária. Outro fator relevante é o sangramento gengival constante, que marcou 2,40 no índice, dobrando as chances de adoecimento.

Do outro lado da escala – com 0,53 – a escovação ao menos duas vezes ao dia mostrou-se benéfica. O que significa dizer que, com base na margem de erro utilizada e segundo a especialista, manter esse hábito pode diminuir de 20% a 70% das chances de desenvolvimento dos cânceres de boca, cabeça e pescoço em relação a quem não pratica a escovação diariamente. Isso acontece porque as bactérias agrupam-se nos dentes em uma espécie de pirâmide chamada de biofilme. As mais fracas ficam na base e permitem que as mais fortes se instalem por cima, formando a placa bacteriana. A escovação desestabiliza a placa e destrói o biofilme, diminuindo as chances de inflamação.

Mas apesar de relevante, a higiene bucal não é o principal fator de risco para esse tipo de câncer. O tabagismo — associado ao etilismo — segue sendo o maior responsável pelo desenvolvimento da patologia. A falta de cuidado com a limpeza serve de catalisador para o processo. “Do mesmo jeito que o alcoolismo ajuda a potencializar os efeitos do tabaco, a má higiene também tem esse poder. O cigarro, por si só, esquenta a região e libera carcinógenos. Então, com o cigarro aquecendo e liberando essas substâncias, mais um tecido inflamado, têm-se mais chance ainda de ter o câncer de boca”, destaca Pereira. É como se a boca se transformasse em um forno e o cigarro fosse a brasa. Colocar substâncias tóxicas enquanto o ambiente entra em combustão acelera a sua degradação.

A pesquisa encontrou ainda um fator social importante. Com base na amostra, no grupo doente, 69% das pessoas não tinham o fundamental completo. Já entre os saudáveis, o número cai para 53%. Um índice ainda alto, mas 16% inferior ao constatado no primeiro grupo. Sobre isso, a pesquisadora destaca: “É algo bem comum no Brasil, os pacientes com casos de câncer de boca, cabeça e pescoço são menos alfabetizados, com uma faixa de renda um pouco menor”. A diferença deve-se principalmente à dificuldade de acesso a tratamentos odontológicos, que expõe pessoas menos favorecidas a mais um risco: o do desamparo social. O autoexame, nesse sentido, pode salvar vidas, já que o câncer bucal tem um alto índice de cura quando descoberto no início. O processo é fácil e pode ser feito seguindo passos simples. Caso note qualquer sintoma, procure um dentista ou uma unidade de saúde.

Autoexame deve ser feito todos os meses (Imagem: Secretaria Estadual da Saúde)

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