Reflexões de grupo de estudos sobre mídia vão da “torcida” pelo vilão ao feminismo na cultura pop

Ligado à ECA-USP, grupo MidiAto apresenta trabalhos críticos sobre a mídia em terceira edição do simpósio “Linguagem e práticas midiáticas”

Cartaz do simpósio "Crítica das representações e mediações", do MidiAto (Foto: Gabriel Araujo)

Olhares críticos sobre as apresentações da mídia, análises propositivas a respeito do setor e aplicações diversas à cultura pop. Foi com base nesses três pilares que o Grupo de Estudos da Linguagem: Práticas Midiáticas (MidiAto), da Escola de Comunicações e Artes da USP, promoveu nos dias 23 e 30 de abril o simpósio Linguagem e práticas midiáticas: Crítica das representações e mediações. Nele, o grupo, liderado pelas professoras Mayra Rodrigues Gomes e Rosana de Lima Soares, mostra, por exemplo, que “torcer” para um vilão em filmes e séries está diretamente ligado às narrativas utilizadas, ou que uma reflexão feminista sobre grandes produções populares contemporâneas, como Mulher Maravilha, é necessária.

Foram apresentados, nos dois dias do simpósio, 12 trabalhos de pesquisadores ligados ao MidiAto, que completa 10 anos em 2019. A abertura, já explorando um dos temas centrais, ficou a cargo de Gomes, com palestra intitulada Os chamados e as aventuras em nossos tempos ou das personagens que privilegiamos. O trabalho é baseado em Vladimir Propp, linguista russo autor de Morfologia do Conto Maravilhoso, e em Joseph Campbell, norte-americano que propõe estudo sobre a “jornada do herói”. De Propp, a professora utiliza a função de “afastamento”, uma das esferas do conto maravilhoso, na qual o protagonista “sai para o desconhecido”, se afastando da zona de conforto; de Campell, o “chamado da aventura”, que também representa a fase inicial para as obras do gênero.

“Trabalhando com esses dois pontos, podemos chegar a caracterizar o tipo de herói, de personagem, enfim, de protagonistas da história, o perfil psicológico, em termos de caráter”, diz a professora. “Isso em contraponto ao fato de que os heróis das histórias nossas de hoje em dia são muito diferentes do passado. Eles são, na maior parte das vezes, quase anti-heróis. Nós torcemos por pessoas que não são ‘certinhas’, no sentido tradicional.”

A situação pode ser vista, por exemplo, em séries de TV e filmes de grande sucesso: o telespectador se pega torcendo para um traficante de drogas em Breaking Bad, para assaltantes de alto escalão em La Casa de Papel, para um serial killer em Dexter. Não à toa, foi usando exatamente a vertente da cultura pop cinematográfica que a docente preparou o trabalho.

“Faço essa investigação aplicando a alguns seriados de televisão, seriados da Netflix e alguns filmes, mostrando essa presença constante do anti-herói hoje em dia, nas narrativas dos nossos tempos, e a possibilidade de vermos as características do anti-herói a partir dessas funções narrativas”, resume.

Análises de produções locais traz reflexão sobre Cidade dos Homens

Na sequência do evento, mais casos da cultura popular foram analisados, cada qual com sua especificidade, dando continuidade à palestra ministrada por Gomes. Ainda no primeiro dia, por exemplo, uma das apresentações abordou a representação da justiça criminal nesse universo, utilizando os casos dos filmes Justiça e Sem Pena. Já na segunda data, veio à tona a análise de Cidade dos Homens, seriado da TV Globo.

Esta última, um trabalho ainda em desenvolvimento, foi elaborada pelos pesquisadores Eduardo Paschoal e Nara Lya Cabral Scabin. De acordo com Scabin, a crítica é baseada nas temporadas de reboot da série, produzidas em 2017 e 2018 — a exibição original ocorrera no início da década de 2000. O trabalho pauta-se pelas diferenças notadas entre as duas temporadas da refilmagem: na primeira delas, há um excesso de menções e flashbacks remetendo nostalgicamente aos episódios exibidos entre 2002 e 2005, como se a comunidade na qual se passa o seriado não tivesse evoluído nos mais de dez anos que separam a filmagem original do reboot; na segunda, a evidência foi substancialmente reduzida.

“A nossa ideia está dentro do espírito da crítica, de considerar que a análise da mídia tem muito a ganhar se for feita a partir de uma análise da circulação crítica dos produtos culturais”, diz Scabin. “Não uma análise que seja só do texto, só da narrativa, só do discurso, mas uma análise que considere esse circuito completo em que uma obra está.”

A pesquisadora pondera que o trabalho ainda se encontra em período de hipótese, ressaltando que esta se baseia na reconfiguração narrativa entre 2017 e 2018. Essa remodelagem, para a pesquisa, estaria diretamente ligada à recepção da temporada de 2017 pelo público, que reprovou, em partes, a “prisão ao passado” na primeira temporada do reboot.

Finalização especial explora o feminismo na cultura pop

O encerramento reuniu três trabalhos desenvolvidos por jovens pesquisadoras da ECA-USP, visando abarcar no simpósio o tema do feminismo: Juliane Malarcane apresentou as representações da maternidade no cinema nacional; Natalia Prudencio conectou as relações de gênero ao filme Mulher Maravilha, enquanto Vivyane Garbelini analisou o documentário Chega de FiuFiu.

“Mantém-se um olhar atento para as questões de alteridade, modos de construção da representação do outro, articulação de imaginários e discursos”, diz o grupo em texto enviado à Agência Universitária de Notícias pela professora Rosana Soares. “(Há uma) busca por maior compreensão e problematização da realidade por meio dos estudos de linguagem e da questão dos discursos como prática social.”

A pesquisadora Nara Scabin destaca que, desde que os eventos se tornaram recorrentes no MidiAto, em 2014, esta foi a primeira vez em que três pesquisadoras mulheres encerraram um encontro. Ela reafirma a importância de, além da presença das três jovens no plantel do simpósio, os três trabalhos serem diretamente ligados às questões de gênero.

O MidiAto e seus objetivos

De acordo com o grupo, os eixos temáticos principais de seus trabalhos são traçados por representações políticas e mediações culturais. Entre os objetivos deste simpósio, mais especificamente, estão o trabalho crítico sobre a mídia, o pensamento sobre as práticas midiáticas atuais, a elaboração de metodologias de pesquisas comunicacionais e a reflexão sobre a comunicação a partir das ciências da linguagem.

“Os eventos têm como objetivo geral debater temas atuais e relevantes sobre a relação da produção midiática e suas linguagens a partir de perspectivas teóricas originais”, informou o MidiAto. O grupo declara-se guiado por teorias das ciências humanas e sociais, pautadas especialmente por comunicação e mídias.

Segundo a professora Mayra Rodrigues Gomes, o trabalho do MidiAto é bastante diversificado: há membros focados nos mais variados meios, como redes sociais, cinema e jornalismo impresso, sempre em direção à crítica dos produtos midiáticos. “E crítica não no sentido comum de criticar, mas sim de analisar esses produtos”, frisa.

O MidiAto pode ser acessado por seu blog, no qual divulga projetos e ações do grupo, e pelas redes sociais Twitter (@midiato) e Facebook (/midiatousp). Além disso, o grupo também apresenta um resumo expandido e detalhado do simpósio e suas apresentações, que pode ser acessado por aqui.

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