A agenda “Mulheres, Paz e Segurança” inicia em 2000 após a resolução 1.325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), órgão responsável por zelar pela paz e segurança internacional. Na resolução, reafirmava-se a importância da promoção da igualdade de gênero em processos de paz e reconheciam-se os impactos que conflitos armados têm sobre a vida de mulheres. As agendas temáticas do conselho abordam diversos assuntos: desarmamento, terrorismo, armas de não proliferação, Aids, dentre as quais estão as questões de gênero.
Tamya Rocha Rebelo, pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), observou a presença de uma coalizão de Organizações Não Governamentais (ONGs) presente na elaboração dessa resolução e no diálogo com o CSNU. Assim, ao elaborar sua tese de doutorado, Tamya se preocupou em entender como havia se configurado esse grupo de ONGs, qual o contexto da sua atuação no CSNU e se havia alguma influência de sua presença nas decisões tomadas. “Achei muito interessante que havia uma coalizão de ONGs interessadas nessa agenda. Queria entender o comportamento nessa agenda e outras. Se os atores não estatais tinham relevância dialogando com Estados”, aponta Rebelo.
Enquanto realizava parte de sua pesquisa no Carr Center for Human Rights Policy da Harvard Kennedy School, notou a presença de mais uma coalizão, na agenda de crianças. O resultado é um estudo de caso a respeito da atuação dessas coalizões no próprio Conselho de Segurança, tratando-se da NGO Working Group on Women, Peace and Security e Watchlist on Children and Armed Conflict.
Tamya destaca que o diálogo com essas organizações é fruto de um processo internacional iniciado a partir dos anos 90. A particularidade do Conselho de Segurança é que o próprio órgão começa a mudar seu repertório para tratar de assuntos de segurança humana. Há uma necessidade de produzir informações e conhecimento sobre o que Rocha nomeava à época como “temas sociais”, incluindo essas distintas agendas. É um momento em que passa a haver uma necessidade para dialogar com esses temas e incluí-los no âmbito do Conselho.
Essa dinâmica era proveniente de uma pressão dos países não permanentes do Conselho por reformas no órgão, reivindicando algo mais representativo, que dialogasse com as demandas e urgências da década: “Há um processo acontecendo de reavaliação do órgão e, por outro lado, ONGs que são criadas nessa época e acompanham essas agendas. Esses dois momentos se encontram. São interações informais, voltadas para provisão de informações, de forma bilateral. É um momento que chamo de janelas de oportunidades até os anos 2000, em que criam-se essas coalizões de ONGs”.
Em seu estudo, Rebelo confirmou que, de fato, as coalizões influenciam nas agendas em que se encontram, mas ressalta: “É bastante difícil mensurar a qualidade do diálogo ou como elas influenciam de fato, porque os encontros são bastante informais”. Para comprovar sua hipótese, a pesquisadora realizou uma varredura de documentos produzidos pelas ONGs e pelo próprio CS. A partir da análise, identificou semelhanças no conteúdo tratado nas produções de ambas. Além disso, o segundo passo para averiguar a relevância dessas organizações foi analisar sua adesão às próprias práticas de monitoramento dessas agendas, tentativas de fazer os Estados respeitarem ou implementarem as ações.
“Ainda que a ONU recomende o cumprimento das resoluções, isso depende da cooperação dos Estados. Quando pensamos que países começam a aderir a mecanismos que monitoram seu próprio comportamento, se pensa: por que estão aceitando criar formas de monitorar seu próprio comportamento? A não ser que haja uma pressão por trás disso”.
As ONGs possuem diferentes estratégias para promover essa entrada no diálogo do grupo. Não se parecem a relatórios de organizações: para transmitir esse conhecimento, precisam maturá-lo para um formato acessível à audiência, nesse caso a do Conselho. “Quando você analisa os documentos, são focados em molduras e enfatizam questões chave, com linguajar que o Conselho de Segurança quer utilizar”.
As práticas institucionais estão relacionadas com o papel das ONGs. As entrevistas com diplomatas e ativistas foram essenciais para comprovar isso, destacou a pesquisadora, principalmente pelo conhecimento que as organizações produzem. Rebelo frequentou eventos que aconteciam em paralelo aos encontros do conselho, discutindo as agências, e pôde comprovar sua hipótese.
“Comparativamente, ao analisar a primeira e última resolução, possuem um teor muito diferente. A última fala sobre terrorismo, empoderamento econômico, direitos humanos, uma leitura muito mais ampla da agenda”, aponta. Isso provou-se uma mudança: “Ao contrário das que vieram lideradas apenas por países, que têm um teor mais de violência sexual, como se a única questão a ser abordada fosse a vulnerabilidade, não enfatizando o protagonismo das mulheres em outras questões para além da violência sexual”.
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