Apesar de sua trajetória e posição, mulheres com alta posição em uma hierarquia empresarial ainda precisam “pedir licença”, ou seja, para se integrar, devem contar com certa condescendência do homem e submissão a uma estrutura de poder masculina.
A escolha do tema do mestrado envolve fatores da história pessoal da pesquisadora. Vinda de Goiânia para estudar psicologia na Pontifícia Universidade de São Paulo, Melinda Cavalcante se inspirou em relações familiares para abordar a questão.
No Trabalho de Conclusão de Curso defendido em 2011, a psicóloga falou sobre o envelhecimento de suas avós, sertanejas, quando percebeu a relação entre gênero e trabalho pela primeira vez. Também na produção do TCC, a pesquisadora observou, com Joan Scott, as relações de gênero e hierarquia. “A questão do trabalho, do trabalho da mulher e o valor que se atribui ao trabalho feminino foram assuntos que eu comecei a perceber a partir das minhas avós”.
Trabalhando, primeiro na AMBEV e posteriormente como consultora em uma “empresa de educação”, ela começou a pensar na questão da conciliação por parte das mulheres entre trabalho e família. Hierarquicamente, essas empresas eram constituídas em sua grande maioria por homens nos cargos mais elevados e foi quando Melinda começou a se questionar sobre o que acontece na trajetória do mercado de trabalho para que essas mulheres não ocupem esses espaços de liderança.
Na questão da conciliação do trabalho de cuidado com o profissional, concluiu-se que cabe a mulher a cumprir os dois papéis. A pesquisa foi qualitativa, entrevistando executivas e levantando pontos-chave entre as relações de família-trabalho. Melinda utilizou frases das entrevistadas para elencar os resultados e as categorias de análise da pesquisa.
Melinda observou que, mesmo dentro do mesmo grupo de trabalho, as relações entre homens e mulheres é diferente. “Quando termina o expediente, os homens se reúnem para conversar e fazer um happy hour, o que geralmente não fazem com as mulheres. Essa relação pós-expediente também reflete nas escolhas de cargos e oportunidades de crescimento dentro da empresa”, pontua.
O terceiro ponto levantado pelas entrevistadas foi que “se você quer ser executiva e mãe, é preciso ser prática”. Mesmo com todo aparato de babás, empregadas domésticas e pessoas para ajudá-las nos afazeres, a gestão do tempo para conciliar as vidas familiar e profissional deve ser extremamente rígida e de inteira responsabilidade da mulher, sendo completamente individualizada. Melinda aponta a necessidade de equipamentos coletivos que possibilitem a repactuação da divisão do trabalho em casa.
Desde os anos 2000, as empresas discutem a diversidade no mercado de trabalho e pensam em iniciativas para a inclusão das mulheres nesses espaços, como a criação de creches dentro do trabalho, lactários, regimes coletivos de trabalho que as mulheres usam e são de grande ajuda. Mas, mesmo assim, essas ações não são estruturais e sim pontuais. Muitas vezes as mulheres que usam essas políticas são prejudicadas. “Está disponível, mas a mulher que faz muito uso, é vista como não tão comprometida com o trabalho, prejudicando também na hora de pegar um projeto”. Melinda critica essa visão predominante das empresas que enxergam as responsabilidades do trabalho doméstico como sendo apenas das mulheres. A organização do trabalho não consegue conceber a conciliação do trabalho como sendo parte da vida, considerando apenas como trabalhador aquele que dedica oito horas do seu dia para suas funções, não enxergando o cuidado como parte da constituição da vida.
Outra categoria de análise foi levantada a partir da fala de uma entrevistada que disse “a corda sempre arrebenta do lado mais fraco”. Neste ponto, a pesquisadora trouxe à questão da necessidade de divisão equiparada entre trabalho doméstico e trabalho remunerado. Caso contrário, as mulheres vão continuar recebendo menos e sendo primeiro demitidas, penalizadas após licença-maternidade e o período de estabilidade.
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