Com a evolução do Direito do Trabalho e o passar dos anos no Brasil, foram criadas leis reivindicadas pelo movimento feminista, no sentido de garantir melhorias às mulheres, como licença à maternidade, por exemplo. Contudo, as leis trabalhistas brasileiras não levam em consideração a dupla jornada exercida pela grande maioria de mulheres, que após um dia exaustivo de trabalho formal, são submetidas à função do cuidado dos filhos e da casa.
Regina Corrêa Vieira, doutora pela Faculdade de Direito (FD) da USP, analisa em sua pesquisa o conceito de cuidado, e como o Direito do Trabalho não consegue, a partir da legislação trabalhista, transpassar as opressões e combater a desigualdade de gênero.
Regina explica que, conforme a base teórica usada para a pesquisa, existe uma separação entre “cuidado” e “trabalho”, sendo o “cuidado” visto como inferior e o “trabalho” pensado apenas para os homens, porque desconsidera a dupla jornada exercida pelas mulheres. “Não adianta o Direito do Trabalho dizer que prega a igualdade, e ter leis que estão baseadas em um sistema que, a priori, exclui as mulheres”.
O modo como o Direito do Trabalho se estruturou, de acordo com ela, parte de pressupostos sexistas, e a forma de mostrar isso foi analisando a relação do trabalho doméstico remunerado no Brasil. O país passou a ter as primeiras leis trabalhistas em 1943, com o governo de Getúlio Vargas. Conforme conta a pesquisadora, nos debates para a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foi decidido que as trabalhadoras domésticas não seriam incluídas, porque seriam uma categoria diferente que exercia uma tarefa “mais fácil”.
Nos debates da Assembleia Constituinte, foi preciso que as trabalhadoras se mobilizassem para conseguir os primeiros direitos trabalhistas que, mesmo assim, não foram iguais aos outros, por conta do argumento de ser um trabalho realizado em casa, não precisar de profissionalização e de que “são quase da família”, como explica Regina.
Apesar de as mulheres trabalharem cerca de cinco horas a mais por semana que os homens, são eles que trabalham mais horas remuneradas – 42 horas contra 35 das mulheres. De acordo com a pesquisa do IBGE de 2016, os homens dedicam cerca de dez horas semanais para afazeres domésticos, enquanto a média feminina é de 20,5 horas.
Para além do Direito do Trabalho, ao falar sobre caminhos para que esse problema seja combatido, a pesquisadora acredita que é preciso pensar em direitos sociais, como a compensação das horas não-remuneradas vindas do Estado, ou a criação de empresas públicas de fomento ao cuidado de idosos. Além disso, é importante haver transferência de renda para que se melhore a vida das mulheres mais pobres, creches públicas e, idealmente, renda universal para que todos partam do mesmo patamar.
No fim das contas, as mulheres são tratadas como se não tivessem filhos, ou como se tivessem trabalhadores domésticos à sua disposição. É o que mostra a legislação trabalhista com a licença à paternidade – reivindicada pelo movimento feminista – de apenas cinco dias, e a falta de leis que dêem direitos à certa flexibilidade no horário de trabalho para as mães tratarem de emergências relacionadas aos seus filhos, por exemplo.
Mas se as mulheres que estão no trabalho formal já não são contempladas, as que não estão são menos ainda, e é um desafio pensar em como a legislação pode apará-las. Junto a isso, acontece em 2017 a Reforma Trabalhista, que surge para flexibilizar os direitos de trabalhadores e, segundo Regina, rebaixar os direitos formais e quase equiparar aos direitos de trabalhadores informais. Isso traz a possibilidade, por exemplo, de trabalho em ambientes insalubres para mulheres lactantes.
Das categorias trabalhistas, a de empregadas domésticas é uma das mais frágeis a esse tipo de reforma. Se a coletividade é um dos pilares para a força dos trabalhadores, as domésticas são ainda mais enfraquecidas na reivindicação de direitos por possuírem pouco contato com a sua categoria, já que trabalham em casas.
A pesquisa, portanto, mostra que, além do Direito do Trabalho agir de forma excludente, o trabalho doméstico, seja ele remunerado ou não, não é visto com a mesma seriedade que outras categorias, o que torna a reivindicação por direitos nesse sentido mais difícil. “No fim das contas, os argumentos são de que o trabalho doméstico não vale. Mas, é ele que permite que a sociedade se reproduza, que a sociedade seja socializada, que os trabalhadores, sejam homens e mulheres, se alimentem e vivam em condição de trabalhar fora de casa, e é o que permite manter os idosos”, complementa.
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