Sabe quando você está em um show, muito longe do palco, e quer tirar uma foto, mas tudo o que consegue é um borrão luminoso? Fotografar do espaço é mais ou menos assim. No caso do show, há duas opções: chegar mais perto ou conseguir uma câmera melhor. Mas, assim como você não conseguiu juntar dinheiro suficiente para comprar o melhor lugar, os cientistas brasileiros também não têm verba para mandar equipamentos para tão longe. O jeito, então, é alugar uma câmera. No seu caso, você pode pedir emprestado a um amigo que tenha uma. O Brasil usou o ALMA, um dos maiores observatórios do mundo, que fica nos Andes Chilenos.
Um grupo de pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) foi até o Chile para conseguir uma imagem que pode trazer mudanças no campo da astrofísica: a fotografia de uma explosão de nova em alta definição. O resultado da observação está descrito em um artigo publicado em junho de 2018 pelo professor Marcos Diaz, coordenador do projeto, com os coautores Zulema Abraham, Valério A. R. M. Ribeiro, Pedro P. B. Beaklini e Larissa Takeda.
Trata-se da primeira vez que o Observatório ALMA foi usado para fazer esse tipo de observação. As imagens foram captadas através de um rádio interferômetro, um complexo de antenas que ficam apontadas para o mesmo objeto e cujos sinais são combinados. A maior definição é obtida quanto mais espalhadas estiverem essas antenas.
Mas o que é uma explosão de nova? Quando duas estrelas, uma mais densa e uma menos densa, passam a orbitar um centro de massa comum, forma-se o chamado sistema binário. A estrela mais densa, isto é, que possui muita massa, mas pouco volume, chamada de anã branca, recebe da estrela companheira uma grande quantidade de hidrogênio, formando um envelope em torno de si. Esse hidrogênio é comprimido, o que faz com que a temperatura aumente e a fusão nuclear ocorra, levando, assim, à explosão.
A transmissão de hidrogênio acontece porque as duas estrelas estão próximas o bastante para que a estrela menos densa, que possui gravidade menor, tenha seu material arrancado pela estrela com mais gravidade.
O sistema binário não é destruído e as duas estrelas continuam unidas. O resultado da explosão é a ejeção de gases, formados basicamente por hidrogênio e pelo produto de sua fusão, o hélio, além de materiais que são arrancados da anã branca. As novas, como são chamadas explosões desse tipo, expelem pouca matéria — menos de 0,0001% da massa da estrela, enquanto nas supernovas quase toda a massa da estrela é destruída.
Um dos elementos mais interessantes da composição dos gases ejetados pelas explosões de nova é o lítio, metal usado na fabricação de peças eletrônicas, como chips de celulares e placas de computador. Formado a partir do decaimento do berílio gerado na fusão de hidrogênio em hélio, a maior parte do lítio disponível na Terra vem desse tipo de explosão. Apesar desse não ser o foco da pesquisa, é um exemplo da importância dessa área de estudo.
A escolha da estrela a ser estudada (V5668 Sgr) foi feita com base na sua proximidade em relação à Terra (5 mil anos-luz) e data de explosão (cerca de dois anos e meio, ou seja, recentemente). Os gases ejetados pela nova foram o objeto da observação feita pela equipe de Diaz. Esse material emite radiação, causada pela agitação dos elétrons com o aumento da temperatura, e o brilho produzido é captado pelas imagens.
O resultado obtido pelo registro do ALMA surpreendeu os pesquisadores. “Esperávamos que esse material fosse muito menos condensado”, afirma Diaz. Graças à menor resolução das imagens produzidas por outros aparelhos, acreditava-se até então que havia maior uniformidade nos gases ejetados, pois só era possível enxergar grandes borrões. Com a alta definição possibilitada pelo observatório chileno, tornou-se mais clara a presença de estruturas mais definidas.
“É fundamental saber como o material se distribui, para depois calcularmos as características”, explica o professor. A distribuição de massa e a ejeção afetam o estudo desses objetos, assim como o cálculo das condições físicas — temperatura, densidade, velocidade de expansão — daquele gás. “Se você não sabe a geometria, você não consegue alimentar os modelos para que eles te deem resultados conclusivos”.
As explosões de nova são estudadas por ocorrerem com mais frequência e em regiões mais próximas da Terra do que os outros tipos, chamados de supernovas e hipernovas. “As estrelas da nossa galáxia estão mais próximas, por isso conseguimos estudar em detalhes fenômenos que têm paralelos em outras escalas”, aponta Diaz. De certa forma, é como se a nossa galáxia servisse como um laboratório para que os astrofísicos possam entender melhor acontecimentos mais distantes no espaço.
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