Ascensão da música periférica no cenário comercial apresenta desafios

Estudo analisa os conflitos, perspectivas e interesses em jogo na inserção musical da cultura periférica na indústria comercial

Capa do disco de rap Athalyba e A Firma, lançado em 1994

“Nossa vida mais e mais ficando crítica/Basta olhar que você vê que a vida cívica/Deteriora tanto quanto a coisa pública/Quanto choro, quanta fome, quanta suplica”. Essa letra pertence a um dos raps mais icônicos dos anos 90, lançado por Athalyba Man no seu disco Athalyba e A Firma (1994). Ele foi um dos primeiros artistas vindos da periferia a entrar no cenário comercial.  

Guilherme Botelho aborda justamente esse assunto em sua dissertação de mestrado. Na intitulada Quanto vale o show? O fino rap de Athalyba-Man. A inserção social do periférico através do mercado de música popular, é analisado o modo como a música periférica consegue espaço no mercado fonográfico hegemônico e quais são os interesses em jogo dentro dessa movimentação.

“Foi de escutar os discos desde a adolescência que comecei a me questionar sobre com quem aquele artista que ouvia estava se comunicando, já que no léxico, naquilo que o Athalyba Man utiliza de repertório no disco específico de 1994, ele usa poucas gírias”, diz Guilherme.

O discurso periférico está repleto de expressões comuns, ditos que marcam os integrantes de determinado grupo e se transformam nos principais recursos do diálogo entre seus membros. Já que o rap tem suas raízes ligadas à chamada cultura periférica, ele deveria ter um repertório de palavras parecido com o visto no dia-a-dia e, por meio das gírias, ser uma forma de comunicação cultural. No entanto, quando está inserido na indústria hegemônica a sua capacidade de se comunicar com semelhantes é diluída.

No rap Política de Athalyba Man, a diluição aparece na forma de palavras como “publícola”, “ínfimo” e “púlpito”, que estão longe de fazer parte do cotidiano periférico. “As composições dele têm palavras complexas, que devem ser procuradas no dicionário para serem compreendidas e não se fazem presentes na periferia. Isso indica uma alteração da comunicação dele. E aí vem a pergunta: “Com quem o Athalyba Man está se comunicando?”, questiona Botelho.

Essa mudança de discurso acontece dentro de uma negociação: o artista deseja entrar no universo comercial, na chamada indústria hegemônica, mas para que isso aconteça, ele deve massificar seu trabalho artístico. Com a finalidade de se encaixar no mercado, o traço estilístico da cultura periférica deverá ser modificado, pois produzir algo diferente do que a indústria fonográfica concebe como comercial pode ser considerado falho.

“Há um desacordo na produção de discos. Quando você ouve as obras dos artistas antes de eles conseguirem uma gravadora e depois, quando eles já estão em uma de grande porte, é possível perceber que a obra foi alterada, devido a sociedade que irá consumir seus discos. Há um conflito que aparece no modo como esses artistas são projetados para se tornarem parte da indústria hegemônica”. A obra original, portanto, se transfigura no momento em que deixa o contexto periférico e assume, dessa maneira, um novo público.

Por outro lado…

A ascensão para o cenário comercial também possui aspectos positivos, pois permite que artistas vindos de uma condição social menos privilegiada consigam sua fonte de renda. “A importância está na própria rentabilização que isso fomenta. Estar na indústria hegemônica é conseguir viver da sua arte”.

No caso específico de Athalyba Man, o principal foco do estudo, a sua migração para uma gravadora de grande porte permitiu que influenciasse vários outros rappers que vieram nas décadas seguintes. “Em 2016, saiu uma regravação da música principal dele, Política, com a imagem de vários artistas cantando esse rap antigo. Toda essa geração estuda o trabalho do Athalyba Man. Ele é uma das maiores influências. As pessoas dão muita atenção para os Racionais MCs, mas o rap em si não é feito só por eles. Todos esses outros artistas mexem com o trabalho do Athalyba Man”.

 

 

 

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