
Ao menos é o que afirma a pesquisadora Uinie Caminha em seu pós-doutorado, ainda em curso. “A questão central que se põe na minha pesquisa é: como anda sendo feita a gestão da riqueza pública”, diz Uinie, doutora em Direito pela USP. Seu projeto de pesquisa é exatamente o que vai implementar no Ceará, onde presta serviços para a Secretaria do Planejamento e Gestão.
Ao longo da conversa com Uinie Caminha, são apontados os problemas da gestão da riqueza pública. O primeiro deles é o abandono. Para entendê-lo, a pesquisadora fez um levantamento do número de terrenos abandonados no Ceará. A diferença entre a gestão de bens públicos e privados começa aí: a negligência com imóveis privados é muito superior à com imóveis públicos. “Por que um prédio com aquele tamanho, enorme, numa área central da cidade estava abandonado? Se fosse meu ou seu, não estaria.”
Partidária da circulação de bens e capitais, sua sugestão é clara. Uinie defende quaisquer meios de aproveitar financeiramente os imóveis — venda ou aluguel, por exemplo. A ideia, diz a pesquisadora, “é exatamente ter mais responsabilidade e aproveitar a riqueza pública para gerar mais riqueza.” Ela usa como base para entender a questão o conceito da “Tragédia dos Comuns”, proposto pelo economista britânico William Forster Lloyd em um ensaio de 1833. Nele, William defende que um coletivo se exaure à medida que seus indivíduos vão buscando vantagens pessoais. “Sempre que você tem um bônus total de uma coisa, mas o ônus é dividido, você tende a cuidar menos dela”, diz Uinie Caminha.
Mas o abandono não se limita aos espaços físicos. Em seu levantamento, a doutora percebeu que a maioria dos imóveis de propriedade do Ceará também está com a escrituração irregular. “O estado não regulariza, não faz os registros corretos. Então até a regularização fundiária dos imóveis está totalmente abandonada.”
O excesso de burocracia ajuda a impedir que os imóveis sejam regularizados. “A gente sempre diz que no direito em Direito Público, tudo o que não é previsto não é permitido. Isso acaba gerando um problema”. Um exemplo é de quando a pesquisadora estudou a venda um imóvel do Estado. Como não existia nenhuma lei permitindo a venda, ela não foi possível. Este tipo de entrave também estimula o abandono do imóvel.
A burocracia, além de excessiva, é fragmentada. “Se você olhar a própria estrutura da secretaria de um Estado”, diz a pesquisadora, “normalmente, uma pessoa pensa no passivo e a outra pensa no ativo.” Ela defende uma linha de negócios chamada “Gestão Conjunta de Ativos e Passivos”. Na coordenadoria de previdência, como exemplifica, a responsável vê apenas a conta que precisa ser paga. Já na coordenadoria de patrimônio, só se vê os bens. “Isso é uma gestão apartada. Não tem ninguém olhando o todo.”
Uinie Caminha também defende ser insustentável o atual modelo de previdência. Segundo a doutora, o tipo de gestão que incentiva poderia transformar déficit em equilíbrio, ou mesmo em superávit. “Se achássemos um jeito de cobrir o déficit da Previdência, que seria através do déficit desses ativos, poderíamos ter recursos para investir no que precisa”, afirma.

RIQUEZA GERANDO RIQUEZA NO ESTADO
Uma questão levantada diversas vezes por Uinie foi a geração de riqueza para o Estado a partir da utilização de seus ativos. Um dos métodos possíveis citados é o uso de bens como garantia em empréstimos internacionais. “Dinheiro fora do Brasil é bem mais barato do que aqui. Os juros aqui ainda são muito altos. Se eu der em garantia um bem, vou pegar o dinheiro emprestado.” O pior cenário possível, nesse caso, seria o não pagamento da dívida e a consequente perda dos bens. No entanto, a pesquisadora afirma que ainda sim valeria a pena, visto que o capital teria sido obtido a uma taxa menor de juros.
Outro método citado é o chamado “Fundo Soberano”, que já foi testado no Brasil. Segundo definição da Folha de S. Paulo, “o Fundo Soberano é um tipo de fundo de investimentos administrado pelo governo de um país ou região para ser aplicado no mercado de forma pré-determinada pela leis do país em questão.” O Fundo Soberano do Brasil, criado logo após o anúncio do programa de exploração do pré-sal, em dezembro de 2008, foi amplamente criticado ao longo dos anos. Caminha comenta os exemplos bem sucedidos de e Cingapura e Noruega — este, por exemplo, o maior do mundo, possui hoje mais de US$ 1 trilhão em ativos.
Os países com Fundos Soberanos investem a partir de excessos na arrecadação. “Nosso dinheiro não sobra”, diz a pesquisadora, “mas se começar a sobrar, deveríamos investir para que esse dinheiro gerasse mais dinheiro.” No dia 21 de maio deste ano, Michel Temer assinou uma medida provisória que extingue o Fundo Soberano do Brasil.
Faça um comentário