Os processos de criação e escrita dos livros de Milton Santos estão sendo analisados por uma extensa pesquisa indo ao Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB). Por meio das caixas com anotações, bilhetes e estudos, uma investigação para descobrir como era o sistema de organização de um dos maiores geógrafos da história do Brasil para construir suas teorias que reinventaram os estudos da área está em andamento.
Responsável por isso, a linguista Luciana Salazar Salgado tem passado meses mergulhada no Arquivo para descobrir mais sobre Milton Santos, por meio de seus escritos e de conversas com as pessoas que conviveram com ele no período de seu desenvolvimento acadêmico. Esse tipo de pesquisa é algo novo criado por Elisabete Marins Ribas, do Arquivo do Instituto, que permite que o pesquisador, ao invés de filtrar suas buscas pelo sistema de documentos já catalogados, vá até os documentos pouco explorados e faça suas próprias descobertas. O projeto, chamado Pesquisador Voluntário, é inovador, e pede ao pesquisador que contribua na catalogação dos documentos. “A pergunta é: você sempre quer achar alguma coisa especificamente? Ir para essas caixas querendo achar uma coisa específica fecha seu olhar para encontrar as outras coisas que são acidente de percurso”, diz Salgado.
Em entrevista, Luciana contou mais sobre como esse tipo de pesquisa permite um maior desenvolvimento intelectual do investigador e dá uma maior liberdade para as descobertas não limitadas ao sistema de catalogação já existente. “Trabalhar em arquivo é emocionante. Há dias em que as coisas encontradas me fazem olhar em volta para verificar se ele está ali, porque é a sensação que dá”, conta Salgado.
Acidente de percurso é o que pode descrever a investigação desse fundo do arquivo. Luciana começou com a ideia de fazer uma pesquisa com base teórica para comprovar que Milton Santos teve muita influência da linguística no desenvolvimento de sua obra. “Tinha essa impressão a vida inteira lendo o autor”. Porém, logo no segundo dia de mergulho no arquivo, essa afirmação se provou negativa e toda a averiguação havia caído por terra. Cientistas têm que lidar com isso diariamente e achar uma saída para continuar com uma pesquisa que possa entregar resultados.
E foi o que aconteceu. Luciana decidiu continuar sua investigação pelas caixas e tentar descobrir algo que se relacionasse com seu campo de trabalho, os objetos editoriais. Aproveitando o incentivo oferecido pelo IEB para o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares desde o seu início, no começo dos anos 90, o mergulho na geografia permitiu a expansão de seu campo de trabalho. “A interdisciplinaridade pressupõe, de saída, uma coisa que a gente aprendeu muito pouco a fazer: ouvir o outro”, segundo Salgado.
Sendo assim, o foco da pesquisa se tornou a investigação dos processos de Milton Santos em sua escrita e estudos. Justamente ligando com o campo de trabalho de Salgado, o geógrafo propõe uma teoria de organização social a partir das relações que os homens têm com objetos. Por meio dos bilhetes deixados junto com os documentos do arquivo, foi possível localizar pessoas que contaram mais sobre o desenvolvimento do livro A Natureza do Espaço.
Dessa forma, o estudo agora gira em torno dos “ritos genéticos editoriais” do autor de geografia para contar a história do livro não a partir do produto publicado, mas, sim, o caminho que o transformou em uma obra de tamanha importância para as áreas que fazem uso das teorias criadas por Santos.
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