Centros de EJAs devem valorizar conhecimento prévio de alunos

Pesquisador da USP discute sobre o ensino de jovens e adultos, assunto complexo para a Educação

Educação de Jovens e Adultos tem diversas camadas de significação Fonte: Educação Faber Catell

O aluno jovem ou adulto precisa ter sua bagagem de conhecimentos respeitada dentro de sala de aula. A fim de entender melhor o processo, o pesquisador da FE-USP (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo), Lucas Simabukulo, foi a campo e pesquisou as relações do ensino de História em centros de EJAs (Educação de Jovens e Adultos) para sua dissertação O pensamento conceitual e o ensino de história na educação de jovens e adultos. Além de traçar as relações da sala de aula que acompanhou, ele também abriu a teoria para concluir o que é a educação para adultos.

Simabukulo define o ensino de jovens e adultos como distinto do proposto para as crianças pelo que ele chama de “conceitos cotidianos”. Ele afirma que o adulto possui saberes mais complexos do que as crianças por ter um tempo de vida maior, além de ter adquirido papéis sociais importantes que o ligam a experiências que influenciarão diretamente na bagagem que ele apresenta ao entrar nas EJAs. Assim, o papel da escola será dialogar com esses conhecimentos e não suprimi-los, reforçando o estereótipo de que os alunos chegam nas instituições de ensino como folhas em branco.

Sobre essa questão, o pesquisador afirma que há bastante preconceito contra o adulto não-escolarizado. “O senso comum tende a pensar o sujeito jovem-adulto não-escolarizado como alguém que sabe menos. É muito comum o sentimento de ‘eu não sei nada’ que a gente poderia traduzir por ‘eu sei muita coisa, mas o que eu sei não é legitimado nesse espaço ou não serve para cumprir exercícios”’, afirma.

Contudo, a diferença que Simabukulo aponta entre os dois grupos, adultos e crianças, não é de caráter cognitivo como o senso comum estereotipiza. Na verdade, ela é diretamente ligada ao estilo de vida distinto entre ambos. “Não é um prejuízo o adulto retornar e passar pela escola básica. O que acontece é que esse adulto que não passou pela escola não vai ter acesso a bons empregos”, relata o pesquisador, tomando por base os pensamentos da professora aposentada da USP, Marta Kohl de Oliveira. “Não há um prejuízo cognitivo, mas um prejuízo social”.

O preconceito é novamente quebrado quando o pesquisador conclui, baseado na teoria do psicólogo russo Lev Vygotsky, que os adultos adquirem os “conceitos sistematizados científicos” já fora da escola por meio das instituições que frequentam diariamente como Igreja, movimentos sociais, local de trabalho e até mesmo pelas mídias. As escolas atuariam apenas como locais de abrigo, mas não seriam elas que forneceriam exclusivamente ao indivíduo tais saberes sistematizados. “Se é verdade que a escola possibilita pela mediação pedagógica a constituição de um saber sistematizado, é verdade também que ela reproduz muitos rituais que são contraproducentes para a constituição deles”, diz. Sobre tais “rituais”, Simabukulo afirma estarem ligados às propostas de educação baseadas em um padrão curricular imposto que não admite maleabilidade. “Ele (professor) faz perguntas retóricas, porque existe uma resposta que, de antemão, é a correta e que foi decidida em algum lugar do poder muito acima da sala de aula em que o aluno não participou. Se planeja a aula e não se refaz o planejamento. Se surgem outras questões, a tendência é atropelar”.

A estratégia ideal seria não monopolizar o discurso didático e abrir espaço tanto em sala de aula quanto no ambiente expandido das escolas para o aluno se sentir à vontade para intervir. E isso ocorreria ao dedicar um tempo da aula para debates sobre o tema visto no dia, ou mesmo organizar grêmios e mostras culturais que também integrariam a comunidade ao redor dos centros de EJA. Além disso, também é papel das escolas absorver a cultura local de uma comunidade para ordenar uma didática empática. Simabukulo dá o exemplo de comunidades indígenas e quilombolas que precisam de uma didática diferente do sistema das cidades.

O pesquisador também propõe que o olhar social sobre o ensino de jovens e adultos seja transformado. Para ele, os centros de EJAs são uma conquista importante e precisam ser mantidos, combatendo o estigma de que as escolas são um fracasso em si. Mas, a existência de tais instituições não se sustenta se não houver alunos e, para que haja constante procura, Simabukulo diz que a indiferença deve desaparecer. “A sociedade aceita que o lugar da criança é na escola. Virou um senso comum e isso é bom. Entretanto, hoje não nos escandalizamos de ver jovens e adultos, que não terminaram a escola, porque naturalizamos essa realidade”. E isso não deve ocorrer.

 

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