Pesquisador da USP analisa reformas educacionais

Reformas recentes, como o Novo Ensino Médio, têm fortes influências de movimento internacional

[Imagem: Pixabay]

Stem é um acrônimo em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática. A sigla é comumente usada para se referir ao ensino dessas áreas — a Stem education. Sua aplicação no sistema educacional brasileiro é o tema da tese de doutorado do biólogo e educador Gustavo Pugliese, elaborada sob orientação do professor Vinício de Macedo Santos e defendida na Faculdade de Educação (FE) da USP. As conclusões do pesquisador, após conviver com mais de 3 mil profissionais em cursos de formação de professores, é de que o ensino das áreas Stem tem afetado a educação nacional, com reflexos em importantes políticas, como o recém implementado Novo Ensino Médio — mas nem sempre com resultados positivos.

Stem education não é um currículo, um método, nem um protocolo. É um movimento com origens internacionais, que “nasce a partir de uma construção do mercado de trabalho para a educação”, explica Pugliese. Sua aplicação encontra respaldo principalmente em avaliações como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que tentam quantificar a qualidade da educação. Para Pugliese, “A OCDE e o Pisa, em certa medida, dialogam muito com uma concepção corporativa, que vem do mercado, das indústrias, no sentido de trazer esse vocabulário, essas ideias, esses ‘jeitos de fazer’ típicos do ambiente corporativo, e jogar isso para dentro da escola.”

O Stem education, então, vem de carona com essa visão de uma educação voltada ao mercado. O problema é que “o que é eficiente do ponto de vista do mercado nem sempre [o] é do ponto de vista da educação”, sintetiza Pugliese. Em sua tese, o pesquisador salienta como o Stem education está presente no Plano Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), em itinerários formativos — ou seja, as opções de disciplinas ofertadas aos alunos — do Novo Ensino Médio, e em alguns currículos estaduais, como o de Sergipe.

Pugliese também enfatiza como a Stem education chega ao Brasil através de fundações particulares que influenciam o MEC e o sistema educacional brasileiro. A Fundação Lemann e o Movimento pela BNCC, por exemplo, foram instrumentos na formulação da nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC), homologada em 2018. Na análise de Pugliese, a nova base, apesar de não tratar diretamente de Stem, prenunciava as mudanças que tomariam a educação brasileira. O Novo Ensino Médio, por sua vez, trata diretamente de Stem em alguns de seus itinerários formativos, com um foco marcado em robótica e ciência da computação — as “profissões do futuro”, mesmo que em detrimento de outras áreas, como as humanidades.

Antes do doutorado, Pugliese havia trabalhado com Edtech (tecnologia aplicada à educação) voltada a Stem education — por isso, se define como um pesquisador com origens de “dentro do movimento”. Para ele, o problema não é “o Stem education em si, mas a maneira como a gente se apropria [dele]”. Em sua pesquisa, Pugliese busca demonstrar como diretrizes do Stem education foram trazidas acriticamente, como cópia e tradução de material estrangeiro. Seu contato com os mais de 3 mil professores em cursos de formação lhe indicaram que muito do que se faz hoje no Brasil neste campo não leva em conta o contexto e as necessidades das escolas brasileiras.

Enquanto alguns educadores nesses cursos se sentiam confortáveis com essa onda de inovação e mudanças, a maior parte via o Stem education como algo muito distante: o dia a dia escolar (a falta de materiais básicos, problemas de saúde física e mental de professores e alunos) requer cuidados e preocupações muito diferentes — e mais urgentes. A presença das diretrizes voltadas ao Stem na BNCC e nos livros didáticos vira, assim, um encargo com o qual muitos não sabem lidar: “Esse professor se sente super constrangido, oprimido, triste e não vê mais sentido ou no que se está trazendo de mudança e educação, ou no próprio lecionar”, resume Pugliese. “Nesse caso, a gente tem que se perguntar se é mesmo Stem education que a gente precisa.”

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