A transmissão dos conceitos políticos é uma questão de família. Isso é o que conclui Maria Gilvânia Valdivino Silva em sua tese de doutorado intitulada “Ferrazópolis: um bairro, duas gerações e a política”, feita na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP). A pesquisadora afirma que opções político-partidárias são passadas entre gerações de uma mesma família, mesmo que não haja a intenção deliberada dos pais em discutir o assunto com seus filhos.
Maria Gilvânia aponta que existem dois grandes tipos de transmissão do pensamento político, que podem se dividir em ainda três. O primeiro é chamado de “transmissão sólida” e ocorre quando os pais são mais engajados politicamente e se inclinam a concordar no assunto, independentemente da tendência que sigam. “Essa transição sólida costuma ocorrer em famílias militantes. Na educação, de maneiras sutis, a política vai estar presente no cotidiano da família”, diz a pesquisadora.
A segunda classificação de transmissão é a chamada “transmissão porosa”. Nela, ocorre uma subdivisão que se dá quando os pais não concordam politicamente ou quando eles decidem não se posicionar sobre o assunto por diversos motivos. Assim, a conversa se restringe aos momentos de tensão política ou ao período de eleições, quando há uma supervalorização do assunto nas mídias e nas redes sociais. “Mesmo quando eles não percebem que estão educando o filho para política como tarefa consciente, o fato dos pais falarem que gostam de um determinado político ou partido já incide sobre algo que ele vai lembrar”, conclui.
Em sua pesquisa, Maria Gilvânia também observou outros fatores que influenciam tanto a construção quanto a externalização do pensamento político. Entre eles, a participação do ambiente escolar é fundamental para que a pessoa conquiste uma consciência sobre a política como um todo. “Não se vê uma educação voltada para tolerância de saber como funciona o sistema democrático. Na minha pesquisa era muito comum, até entre quem era militante social, não entender direito o que era cidadania ou democracia”, relata a pesquisadora. Ainda sobre o papel da escola na formação política do indivíduo, ela diz que a influência dos professores também é um fator de ressignificação do pensamento que pode afetar a opinião no futuro.
Além das instituições de ensino, o contexto social em que o indivíduo está inserido é um dos fatores de ressignificação da sua opção política, que ocorre de maneira mais acentuada quando a transmissão familiar já tiver sido porosa. Maria Gilvânia cita o caso de um de seus entrevistados que, após perder o emprego, desacredita nas promessas do governo petista ⎼ partido em que votava há muitos anos ⎼, e torna-se conservador. Mesmo o bairro de Ferrazópolis, objeto de pesquisa de Gilvânia, teve seu histórico político construído pelo contexto social ligado à instalação de fábricas na região e à militância operária, exemplificando a teoria.
Contudo, a pesquisadora identificou um processo de “despolitização” entre a primeira e a segunda geração do bairro. O motivo também se liga ao contexto político do Brasil que, de acordo com ela, hoje passa por um período de falta de estudo sobre a Política. “Antigamente, existiam núcleos em Ferrazópolis. Um voltado para o PT (Partido dos Trabalhadores) e comunidades eclesiais de base que serviam de base para o funcionamento desses núcleos. E neles se estudava política ainda que fosse uma política voltada para formar base para o partido”, relata.
Maria Gilvânia diz que, desde os anos 2000, esses núcleos não existem mais, e os moradores passaram a buscar outras formas de informação política que não são aprofundadas. “Não vejo hoje a procura por formação. Também não vejo procura para ver se a notícia é verdadeira ou não, e isso contribui para o problema de uma formação política mais aprofundada”, afirma. E ainda explica: “Não existe interesse, ela não existe de fato e não é um interesse dos jovens falar sobre política, porque está ligada com aquilo que é mau e ruim”.
A descrença nos políticos é outro fator para a “despolitização”. Segundo Gilvânia, o Brasil é um país mais do que político, e sim um país partidário-figurativo, ligado ao que a pessoa política faz ou não. Dessa forma, quando os escândalos políticos surgem, a crença no modelo cai. “É possível que se forme uma bola de neve, porque se os pais não falarem com seus filhos sobre o assunto, diminuem-se as chances de se interessarem por política”.
Quando questionada se há uma idade ideal para conversar sobre o assunto com as crianças, Maria Gilvânia diz que isso dependerá do engajamento dos pais na política, mas que elas já formaram alguma noção sobre o tema ouvindo as falas dos pais. “Crianças têm posicionamento. Primeiro eles são partidários, porque são de coisas que os pais falam ou algumas orientações de direita ou de esquerda, porque são coisas que os pais falaram”, diz. A pesquisadora afirma, ainda, a importância da discussão do assunto para a formação individual deles. “O processo de socialização política não está desvinculado do processo geral. Não discutir política é prejudicial, porque priva a criança de uma série de conhecimentos que depois fará falta lá na frente”.
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