Donos de gatos podem contribuir para a obesidade felina

Além da alimentação e atividade física, pesquisadora da USP aponta o afeto dos donos e a vida doméstica como fatores de risco

Em ritmo crescente, a obesidade já é a maior preocupação nutricional de médicos veterinários. Imagem: 123RF

A medicina veterinária atualmente considera a obesidade como a maior preocupação relacionada à nutrição de gatos. No Brasil, onde mais de 50% da população adulta já apresenta problemas de excesso de gordura, muito se discute a prevenção, o tratamento e os riscos da obesidade humana; mas quando ela ocorre em nossos bichinhos de estimação, é frequente não saber o que fazer.

Conduzido na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, na cidade de São Paulo, um estudo para tese de mestrado em Clínica Veterinária com 36 gatos e seus donos buscou identificar os maiores fatores de risco para a obesidade de felinos domésticos no Brasil – e revela que os próprios cuidadores podem ser um deles.

A pesquisadora, Isis Danielle Silveira Gomes, explica: “A obesidade hoje é um problema na medicina veterinária, e o proprietário pode não dar a mesma importância para ela como na medicina humana, nem percebendo a obesidade nos gatos”. O excesso de peso nestes bichinhos é, muitas vezes, considerado normal, ou mesmo valorizado.

“Primeiramente pela falta de conhecimento, a maioria acha o paciente com excesso de peso mais bonito, mais ‘fofinho’”, conta Silveira. O estudo, que entrevistou dezenas de donos de gatos após o exame corporal dos seus animais, descobriu uma incapacidade dos humanos em perceber a obesidade nos seus próprios felinos.

Frequentemente, donos de animais já em sobrepeso ou mesmo obesos descreveram a condição corporal do gato como “saudável”, ou mesmo abaixo do peso ideal – o completo oposto da realidade. “Se você perguntar sobre obesidade, eles conhecem os riscos”, a médica relata. “Mas não acham que isso vai acontecer com o seu gato.”

Não reconhecer a obesidade em seu animal de estimação acarreta no atraso ou na falta de tratamento, podendo gerar graves riscos para a saúde. Doenças degenerativas que atacam as articulações, diabetes e problemas dermatológicos são apenas os mais comuns. No entanto, donos de gatos não erram apenas em não reconhecer a obesidade: eles podem ser responsáveis por agravá-la.

Afeto: fator de risco

Hoje em dia os gatos domésticos são muito bem tratados. O ser humano os tratam como parte da família, e acaba fazendo com os gatos o que faria para si próprio. Ele come junto com o gato, assiste TV com o gato, então há uma humanização, sem dúvida nenhuma, destes animais”, conta Silveira. Como expõe no estudo, a domesticação dos gatos os aproximou dos humanos, gerando benefícios para ambas as partes ― enquanto os felinos desempenham o papel de uma companhia humana, eles recebem cuidado, alimentação e afeto.

Este fator sentimental é muito importante para analisar como o ser humano pode contribuir para a obesidade felina, pois, analisando os participantes da pesquisa, foi possível perceber que o grau de afeto demonstrado com os gatos era maior em donos de animais obesos.

Isto porque as mudanças que o estilo de vida mais “humanizado” impõe aos gatos podem ser prejudiciais para sua saúde. O confinamento dos animais em espaços fechados e pequenos, como apartamentos, é comum, especialmente na cidade de São Paulo; com menos espaço, gatos tendem a diminuir seu nível de atividade física e gasto calórico. Ainda, a alimentação fornecida ao gato, seja em refeições ou petiscos, e o modo de alimentá-lo, também podem impactar diretamente no aumento de gordura.

Outros fatores relacionados à vida doméstica do gato são a convivência de vários animais na mesma casa ― a pesquisadora alerta que, quando o dono tem mais de três ou quatro gatos, eles tendem a competir pela comida, o que pode aumentar seu consumo calórico ― e, também, de várias pessoas com o mesmo animal. A presença de várias pessoas pode estimular sua atividade física, através das brincadeiras e da movimentação pela casa. No entanto, caso não existam regras sobre a alimentação do bichinho, muitos petiscos e refeições no dia ou quantidades irregulares de comida nas refeições podem gerar ganho de peso.

Hábitos para evitar a obesidade

Silveira afirma que a criação de hábitos preventivos é a melhor maneira de abordar este problema. “Quando a obesidade está instalada, é muito, muito difícil para o gato perder peso. Porque para perder peso, introduzimos uma alimentação hipocalórica [de valor reduzido em calorias], mas associado a isso, você precisa de uma atividade física, e numa cidade como São Paulo, onde os proprietários trabalham muito, tirar mesmo 15, 20 minutos por dia para interagir com o gato é muito difícil. Então, sem dúvida, a prevenção é melhor.”

A questão da atividade física é uma das mais complicadas para gatos domésticos em grandes cidades. As típicas “escapadas” ― quando os gatos saem para a rua, com ou sem conhecimento do dono, esperando retornar posteriormente ― podem até contribuir com o gasto energético e o exercício físico do animal, mas os perigos são muito maiores. “Sem dúvida nenhuma nossos gatos estão vivendo mais porque estão domiciliados, vivendo dentro de casa. Os gatos que saem têm perigo de contrair leucemia, FIV [vírus da imunodeficiência felina], mortes por traumas, atropelamentos, então o risco é maior”, conta Isis.

Um hábito alternativo simples é o “enriquecimento ambiental” ― a inserção de elementos no ambiente em que o gato passa o dia, para que, mesmo em lugares pequenos e fechados como apartamentos, ele possa brincar, se exercitar e explorar. Colocar prateleiras, esconderijos, arranhadores e brinquedos fazem com que o gato interaja mais com o ambiente e se exercite, sem precisar sair para a rua. Uma ideia interessante é colocar a comida em locais altos, como prateleiras, incentivando o felino a se exercitar em busca do alimento.

No estudo, percebeu-se também que o número de gatos que ingeriam ração úmida era maior entre os gatos saudáveis, enquanto a maioria dos gatos obesos era alimentada com ração seca. A dieta seca é a principal entre as rações comercializadas, e é utilizada para a maioria dos cães e gatos. A dieta úmida consiste de rações enlatadas e sachês. Estas apresentam um teor de 80% de água, e um teor muito baixo de carboidratos, diferentemente da ração seca, que utiliza o carboidrato para agradar o paladar do animal.

Com a ração úmida, além de oferecer menos carboidratos, a ingestão hídrica do gato aumenta ― portanto, ela é a mais indicada. No entanto, muitos donos têm dificuldade em introduzir este tipo de dieta para seus animais, principalmente aqueles que já foram acostumados a vida toda a se alimentar pela ração seca. É importante criar o hábito de consumir rações úmidas desde a época de filhote, e introduzi-la aos poucos para acostumar gatos mais velhos.

A maneira de oferecer comida também é um fator importante. Donos de gatos tendem a dois modos de fornecer alimento: o ad libitum, quando se coloca uma quantidade de ração e o gato a consome quando quiser, durante o dia, e a estipulação de horários para oferecer uma quantidade menor de comida, para ser consumida imediatamente.

A pesquisadora conta que, além da estipulação de horários ser melhor para limitar a quantidade de alimento ingerido, a ração que é deixada ad libitum pode ser menos saborosa para o gato. Isto se deve à ligação da palatabilidade da comida com o olfato ― uma ração de um sachê recém-aberto, por exemplo, atinge mais o olfato do animal do que uma ração que esteve no mesmo local por horas. Logo, o animal será mais estimulado a comer em horários estipulados, pois a ração é “nova”.

É também necessário que se calcule exatamente a quantidade de ração necessária considerando o peso e a condição corporal do gato, e que essa quantia seja dividida igualmente em por volta de três horários espaçados durante o dia.

Leia a tese na íntegra neste link.

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