O sertanejo universitário domina as paradas há cerca de dez anos. Para Ivan Vilela, arranjador, violeiro e professor do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), a proximidade com a música pop e a forte presença do jabá são os fatores que sustentam essa situação.
As características da vertente caipira (autêntica ou raiz) foram deixadas de lado. A utilização do romance como base poemática, uma dupla cantando o tempo inteiro, não só no refrão, e a utilização de um instrumental pertinente (violão e viola) ficaram na lembrança.
O fenômeno está espalhado em todos os lugares. Seja no norte ou sul do país, nas baladas mais suntuosas ou nas festas das periferias, o ritmo ecoa pelas caixas de som. Até mesmo na vizinhança, nota-se a força da proliferação. O Paraguai, por exemplo, receberá, em março, um dos maiores eventos do segmento (VillaMix Festival).
Topo das paradas
O serviço de streaming Spotify divulgou, em dezembro, diversos rankings referentes a 2017. No Brasil, Matheus & Kauan, Jorge & Mateus, Henrique & Juliano, Marília Mendonça e Wesley Safadão ocuparam as cinco primeiras colocações dentre os artistas mais ouvidos. Exceto pelo último, os demais também tiveram seus álbuns na lista dos cinco mais tocados.
De acordo com Ivan Vilela, a interligação com a música pop, tida como midiática e mundial, e o pagamento para a execução das canções nas rádios e televisões mantêm a vertente no topo das paradas. O distanciamento do segmento autêntico e a efemeridade do sucesso de determinados artistas, para o violeiro, são claros.
“A linguagem é muito mais universal. Não tem nada de sertanejo na realidade. Nenhum aspecto. Nem o canto duetado o tempo inteiro. É a música pop brasileira. Esses astros são, via de regra, estrelas cadentes: surgem e desaparecem”, disse.
No meio dessa divulgação massiva, o fato de as mulheres se destacarem através do “feminejo” e abordarem questões sobre seus direitos são vistos como benéficos. “Que bom que estão usando esse canal para isso. Acho maravilhoso. Pelo menos, estão utilizando esse mercado, essa máquina, para transmitirem conceitos que são essenciais, como a igualdade de gênero.”
Música caipira
No artigo Caipira: cultura, resistência e enraizamento, divulgado na revista Estudos Avançados, do IEA, Ivan Vilela fala sobre a origem desse segmento e da importância que teve no processo de enraizamento dos migrantes na Grande São Paulo.
Para muitos estudiosos, as músicas caipira e sertaneja são diferenciadas pelo aspecto mercadológico. Quando a música fica restrita à comunidade na qual é produzida, atribui-se o termo caipira. No momento em que é voltada para o mercado, chama-se de “sertaneja”.
O professor da ECA, no entanto, as compreende como sinônimas. A convivência mútua e os estilos similares entre artistas que se denominavam caipiras e outros de sertanejos, como as duplas Tonico & Tinoco e Tião Carreiro & Pardinho, respectivamente, correspondem a uma das justificativas. A outra diz respeito ao fato de que, para quem produz as canções e para os indivíduos que as consomem, o imaginário é o mesmo, não fazendo sentido a separação.
Ao ser questionado sobre a possibilidade de a música caipira retomar o destaque de outrora, o violeiro foi enfático. “Faço votos que não. Senão, ela será uma peça utilizada nesse mercado que desgasta as coisas. Prefiro que continue como sempre esteve. Tem um público grande. Os valores são muito sólidos. Estão ligados à manutenção da cultura popular. Acho que ela independe disso. Pode não ter expansão na mídia, mas continua.”
É verdade, mais pop do que nunca. E a tendência é ficar cada vez mais assim.