A cafeína, se for consumida 90 minutos antes do treinamento, reduz o efeito deletério da fadiga mental na performance de atividade física. Essa é a conclusão do estudo conduzido pelo Grupo de Estudos de Desempenho Aeróbio (Gedae) da Escola de Educação Física (EEFE) da USP, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O professor da EEFE e coordenador do Grupo, Rômulo Bertuzzi, explica que a fadiga mental é “uma percepção de falta de energia decorrente de uma atividade cognitiva intensa. Se um indivíduo realiza uma tarefa que requer atenção sustentada, ao final de um período haverá a sensação de perda de energia. E isso produz uma queda de rendimento [na atividade física]”.
A constatação dessa queda de rendimento foi feita pelos pesquisadores Samuele M. Marcora, Walter Staiano e Victoria Manning na Escola de Ciências do Esporte, Saúde e Exercício da Universidade de Bangor no País de Gales em 2009. Bertuzzi explica que até então, a queda de rendimento era sempre atribuída a fatores fisiológicos, cardiovasculares ou pela capacidade de o músculo produzir força. Mas a novidade do estudo britânico foi demonstrar que alterações no sistema nervoso central já era capaz de piorar o rendimento físico.
Por outro lado, sabe-se que a cafeína é uma substância psicoativa. Isso significa que, ao ser consumida, ela é capaz de aumentar a atenção e o foco, agindo de forma sistêmica no organismo humano, inclusive no sistema nervoso central. Dessa forma, o estudo do GEDAE procurou investigar se a cafeína teria capacidade de reverter a queda de rendimento físico causada pela fadiga mental.
Método do estudo
A pesquisa recrutou oito homens fisicamente ativos para realizar atividades de esforço intenso em bicicleta ergométrica em quatros diferentes situações: na condição de fadiga mental, o indivíduo passava 90 minutos realizando uma atividade cognitiva com o software AX-CPT, similar a um vídeo-game e logo depois participava do exercício na bicicleta. Para o protocolo de fadiga mental com cafeína, a única diferença era a ingestão de 5mg/kg de cafeína 90 minutos antes do exercício físico. Além disso, havia a ocasião de efeito placebo (o indivíduo ingere uma substância sem efeito química no organismo antes da atividade cognitiva) e a situação controle, em que era realizada apenas o teste na bicicleta. Uma vez que o indivíduo atua nas quatro situações diferentes, ele exerce o papel de controle de si mesmo.
Bertuzzi explica que o teste da bicicleta era de exaustão, ou seja, os indivíduos o realizavam até atingir o máximo de sua capacidade. A duração da atividade girava em torno de 6 a 7 minutos. Além disso, o período entre a ingestão de cafeína e o exercício era importante: “Entre o consumo, absorção e entrada na corrente sanguínea da cafeína há um tempo relativamente longo. Estima-se que o pico da cafeína no sangue ocorra mais ou menos em torno de 90 minutos”, esclarece.
O protocolo de bicicleta ergométrica é o mesmo utilizado pelo estudo britânico. Houve também medições por eletromiografia, questionário de humor e classificação de esforço percebido. Segundo o professor, a eletromiografia é um monitoramento da contração do músculo do ponto de vista eletrofisiológico. “Se a fadiga mental estivesse alterando isso, então não seria a explicação que havia sido dada antes [no estudo britânico]. Poderia ser uma explicação local. Mas a eletromiografia era igual em todas as condições. Isso reforça a hipótese de que a fadiga mental afeta a performance física, não o esforço muscular”.
Já quanto o questionário do humor, Bertuzzi esclarece que a intenção era medir a percepção da pessoa em relação ao seu cansaço: “A medida serve justamente para determinar que, de fato, a fadiga mental causa a sensação de falta de energia pela pessoa. Um exemplo disso é a sensação da pessoa que passa o dia trabalhando e, ao final do expediente, não quer fazer exercício, mas comer, descansar.”
Já sobre a classificação esforço percebido, o professor explica que é um procedimento comum da ciência: “É uma forma de transformar a percepção do esforço em uma escala numérica, em que 6 é esforço nenhum e 20, esforço máximo. É um teste importante porque o estudo anterior explicou a queda de rendimento devido a fadiga mental por essa percepção subjetiva do esforço. Eles propuseram que a sensação de falta de energia era transferida para a percepção de esforço durante o exercício. Ou seja, para a mesma intensidade de exercício, a sensação é de que a atividade é muito mais difícil do que ele realmente é. Como a medição desses fatores não mudava, exceto a percepção do esforço, a queda de rendimento só pode ser explicada [no estudo anterior] pela classificação de esforço percebido”, aponta.
Isso significa que, a partir da fadiga mental, o indivíduo começava sua atividade na bicicleta mais perto da sensação de esforço máximo (20). Por isso, quando o participante realizava o teste, o nível 20 era atingido com mais rapidez, reduzindo o tempo de atividade. É nisso que a cafeína atuaria, no sentido de reduzir a sensação de esforço causado pela fadiga mental e, assim, prolongando a atividade até o esforço máximo por mais tempo.
Em sua conclusão, o estudo comprovou que a fadiga mental tem um efeito negativo para o desempenho físico. Já a cafeína reduz esse efeito no vigor e na capacidade do indivíduo em se engajar em atividades físicas. Tal ação da cafeína aumenta em 14% a capacidade de resistência da pessoa no exercício físico intenso.
Apesar de não ser objeto do estudo, Bertuzzi esclarece que outras pesquisas estabelecem hipóteses sobre a ação química da cafeína no organismo. “A atividade cognitiva intensa gera a fadiga mental que, por sua vez, leva a um maior gasto energético do sistema nervoso central e ao acúmulo de adenosina. O trifosfato de adenosina (ATP) é quebrado em difosfato de adenosina (ADP) que, presente do citoplasma celular, causa a sensação de cansaço. A cafeína age no bloqueio dos receptores que reconhecem o ADP, reduzindo, assim a percepção de cansaço”, explica o professor.
Questionado sobre a aplicação prática do estudo, o pesquisador destaca o consumo da cafeína como auxílio na manutenção do programa de treinamento físico e, consequentemente, da saúde. “Embora o estudo precise ser confirmado, em um dia que a pessoa se sente indisposta ao exercício físico, o consumo de cafeína de uma hora até 90 minutos antes da prática pode facilitar o engajamento no programa de treinamento. Isso ajuda principalmente as pessoas de cidades grandes como São Paulo, em que a todo momento estão submetidas a algum tipo de atividade cognitiva intensa”, aponta.
A respeito da continuidade das pesquisas, o professor explica que é possível aplicar a investigação ao exercício de intensidade autoselecionada, em que a pessoa determina um ritmo variável da atividade, como na caminhada. “Há alguns estudos em andamento e o próximo passo é verificar se, de fato, a fadiga mental afeta o exercício de intensidade autoselecionada. E, se de fato afetar, é possível testar a cafeína nessa situação e constatar em que momento há alteração ou minimização do impacto negativo da fadiga mental.”
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