O trabalho faz parte da realidade de muitas crianças brasileiras. São 2,7 milhões de crianças e adolescentes exercendo uma atividade remunerada, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), de 2015. Nos anos 90, eram 9 milhões. Apesar da redução, o trabalho infantil ainda está longe de ser erradicado e está cercado de diferentes fatores para a sua existência, inclusive, o racismo estrutural. É o que aponta a pesquisadora Elisiane dos Santos, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Para além do âmbito jurídico, Santos analisou os aspectos sociais que envolvem o trabalho infantil nas ruas de São Paulo. Para ela, mesmo com os avanços da legislação brasileira em termos de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, ainda há uma grande massa populacional negligenciada.
Em Trabalho infantil nas ruas, pobreza e discriminação: crianças invisíveis nos faróis da cidade de São Paulo, dissertação de mestrado defendida no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, apontou causas econômicas e culturais-históricas para o trabalho infantil. A valorização do trabalho sempre esteve presente na sociedade brasileira, porém, a procuradora percebeu que essa situação remete ao período da escravidão. Isso porque, nos dias atuais, a maioria dos jovens trabalhadores são meninos, negros e pardos. “Pouco se fala sobre a questão do racismo estrutural quando nos referimos ao trabalho infantil e, se observarmos, no período da escravidão isso já acontecia com os filhos dos negros escravizados. As meninas em âmbito doméstico, enquanto meninos, a maioria, na lavoura”, explica a pesquisadora.
A proibição do trabalho de crianças e adolescentes é feita nacionalmente, pela primeira vez, no Código de Menores de 1927. Contudo, se comprovada a necessidade de sustento familiar, as crianças eram autorizadas a trabalhar. Assim, percebe-se que sempre houve uma discriminação em relação aos direitos da infância no Brasil. “A partir da Constituição de 1988 temos uma mudança de paradigma na legislação, que traz essa importância da criança como sujeito e que estabelece uma igualdade formal, assegurando a proteção integral a todas as crianças e adolescentes”.
Durante a pesquisa, Santos conversou com garotos que realizam malabares nas ruas da cidade de São Paulo. Um deles relatou não sentir qualquer prazer na atividade, somente a faz para garantir o seu sustento. “As pessoas têm preconceito comigo porque sou negro. Fecham o vidro do carro”, foi a fala de um garoto de 12 anos, que considerava a situação humilhante. “Existe uma estigmatização. Um olhar da sociedade para essas crianças como se fossem possíveis infratores.”
A família é uma das encarregadas por assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes – o acesso à educação, saúde, cultura, por exemplo. Porém, é necessário estar atento a própria condição vulnerável desses responsáveis. “A redução de direitos trabalhistas no campo dos adultos, também afeta a situação de jovens. Possivelmente, um número maior de famílias vai se encontrar em situação de precariedade”, afirma a procuradora, se referindo às recentes mudanças na legislação trabalhista.
Por meio de sua dissertação, a mestre em Filosofia busca questionar como está sendo feito o enfrentamento ao trabalho infantil. O problema deve levar em consideração a especificidade do público atingido. “As estratégias precisam ser analisadas por meio da questão étnico racial, de gênero e de território”.
Quanto ao debate de gênero, Santos comenta sobre o fato de um número expressivo de famílias ser monoparental, no caso, apenas com a presença da figura materna. Assim, apenas uma pessoa é sobrecarregada de responsabilidades. Já a questão do território se refere ao deslocamento da periferia para o centro, realidade de grande parte dos meninos trabalhadores na rua.
As políticas públicas para o combate a essa violação de direitos devem ser mais complexas, sendo pensadas através do reconhecimento de todos os fatores elencados. “Não tem como funcionar um programa político para tirar as crianças das ruas, se quando elas chegam em casa não têm um lugar adequado para dormir, nem alimentação ou outras questões estruturais mínimas de dignidade humana”.
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