Cartas constituem importantes documentos de registro histórico

A edição e publicação da correspondência trocada entre Mário de Andrade e Yan de Almeida Prado poderá contribuir para futuros estudos

Imagem da exposição "Mário de Andrade – Cartas do Modernismo", que exibiu as mais de 20 mil correspondências enviadas e recebidas pelo autor. Foto: Rodrigo Machado

O texto epistolar (por cartas) foi uma das principais maneiras encontradas por nossos ancestrais para se comunicarem entre si a longa distância. Ao analisar esses documentos, é possível encontrar importantes registros históricos, que não só fornecem informações sobre os costumes da época, mas também são fundamentais para entender o processo de circulação de conhecimentos. Em sua dissertação de mestrado feita no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), Leandro Sousa Lopes aborda justamente essa questão.

Na intitulada Correspondência Mário de Andrade e Yan de Almeida Prado: edição de texto fidedigno e anotada, ele teve como proposta a transcrição das cartas trocadas entre as duas partes. Seu objetivo é facilitar o acesso de outros pesquisadores ao conteúdo da correspondência. Para tornar isso possível, foi preciso um árduo trabalho de “tradução”. “Como as cartas foram escritas há muito tempo, é provável que algumas pessoas não consigam entender todas as informações que estão em seu entorno. Então tive que pesquisar os assuntos envolvidos que não são diretamente citados nessas cartas. Em função disso eu produzi notas de rodapé e textos explicativos sobre esse conteúdo”.

Enquanto Mário de Andrade (1893-1945) é um artista notadamente reconhecido e sobre quem há vasto material, Yan de Almeida Prado (1898-1991), bastante ativo no primeiro período modernista, não possui a mesma fama, além de ser pouco academicamente estudado. Ele, no entanto, possuía diversas facetas. Nascido de uma família de cafeicultores, o paulista tinha talento com as artes plásticas, por meio das quais participou da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922, expondo desenhos feitos em conjunto com Paim Vieira. Seus interesses também se voltavam para a escrita, de modo que chegou a publicar um romance, Os três sargentos, sob o pseudônimo de Aldo Nay, e vários outros livros como historiador. Estes seus últimos trabalhos lhe renderam a eleição para a cadeira nº 18 da Academia Paulista de Letras.  

Mário (de pé e com chapéu) e Yan reunidos com outros modernistas

O diálogo epistolar entre esses dois membros do movimento modernista foi construído, até onde se sabe, ao longo dos anos de 1923 e 1928. “Há uma discrepância no número de cartas que o Yan preservou do Mário [14] com relação às cartas que o Mário preservou do Yan [31]. Alguns documentos podem ter sido destruídos ou estar dispersos por outros acervos que não consegui identificar ainda. Existe essa dificuldade quando a gente trabalha com correspondência”. Esse inconveniente, no entanto, não impediu que Leandro cumprisse o objetivo de sua dissertação.

Durante essa análise, foram identificadas as várias temáticas que compunham as discussões entre Mário de Andrade e Yan de Almeida Prado. “Quando a correspondência é o objeto ela traz um conteúdo muito plural e acaba sendo um documento ingrato para o pesquisador porque traz muita informação ao mesmo tempo”. Por se tratar de um diálogo entre intelectuais, é imprescindível que se preste atenção na troca de conhecimento que ocorre durante o diálogo. Muitas das informações difundidas sequer chegam a aparecer em textos de suas autorias, por isso há a importância da divulgação dessas cartas “para quem quer saber sobre a história intelectual ou a história da arte conseguir acesso a essas informações”.

Entre todas essas conversas e comentários, há uma outra questão que também chamou a atenção de Leandro: a paixão por livros tida por ambos os correspondentes. “Yan de Almeida Prado era bibliógrafo. Ele tinha uma vontade imensa, expressa pelas cartas em localizar de obras sobre o Brasil e período colonial. Então o tempo todo se fala dessas obras. Em alguns momentos, o Mário chega a encomendar ao Yan que em alguma de suas viagens pela Europa trouxesse o material para ele”. É nessa situação em que a circulação de conhecimento aparecem.

“Uma das grandes contribuições da edição dessa correspondência foi observar a circularidade de materiais sobre o Brasil. É algo que talvez tenha passado despercebido em outras pesquisas sobre o próprio Mário de Andrade, a formação da biblioteca dele e como certas ideias chegaram no país. Existem biografias de Mário que comentam o fato de ele nunca ter saído do Brasil e sempre receber o material por via dos amigos. O Yan é uma dessas pessoas”. Um dos pontos mais interessantes sobre essa questão é aquilo que se refere ao livro Memórias de um Colono no Brasil, de Thomas Davatz. A obra narra os acontecimentos de uma revolta de trabalhadores imigrantes na fazenda produtora de café do senador Vergueiro. Trazida por Yan da Europa, esse é o único registro que se tem sobre o levante de colonos.

Segundo Leandro, o relato circulou entre os modernistas e chegou a ser mencionado por Mário de Andrade em seu texto Agora, é não desanimar!…, publicados no Diário Nacional. “Na descrição desse ‘levante dos colonos contra os opressores’, o livro se torna interessantíssimo. Os processos mais perrepistas (seguidores do Partido Republicano Paulista) de opressão, de disfarce, de prepotência são utilizados contra os colonos e especialmente contra Davatz. Este é um ‘revolucionário’, ameaçado de morte, com negrões assalariados esperando ele nas tocaias da noite; o protesto pacífico dos colonos é desvirtuado como um novo Palmares perigosíssimo”, escreveu o autor modernista.

 

 

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