Pesquisa de mestrado da Faculdade de Saúde Pública concluiu, a partir de uma intervenção não-prescritiva, que compreender o prazer alimentar de uma forma mais tranquila leva a uma alimentação mais saudável. Sem o uso de dietas restritivas, um grupo de mulheres obesas foi capacitado a refletir sobre seus sinais internos, como fome e vontade de comer, desenvolvendo a autonomia para decidir consumir ou não determinado alimento.
Pautada na abordagem Health At Every Size, a intervenção não focava na perda de peso como objetivo primário, porque não parte do pressuposto de que uma pessoa obesa necessariamente é uma pessoa doente, que come e se alimenta mal. O prazer, completamente negligenciado no tratamento convencional, é um aspecto indispensável para a pesquisadora Fernanda Sabatini:
“O prazer existe antes e depois da intervenção, pois o corpo sempre vai buscá-lo física e psicologicamente. Mas antes ele era vivenciado de uma maneira culposa, porque estava atrelado a uma proibição”, conta. “Aparecem muitos relatos como ‘Meu prazer está sempre vinculado a coisas que eu não deveria estar comendo ou desejando’. A intervenção traz uma ressignificação do que é bom ou ruim, elas param de dicotomizar tanto a alimentação e passam a refletir mais ao invés de aceitar uma verdade imposta”.
A análise abrangeu também como essas mulheres lidam com o desejo de comer e se elas chegam a satisfazê-lo, já que o prazer costuma estar atrelada a esta satisfação. Inicialmente, discursos como se sentir fora do controle ou tentar substituir por algo mais saudável, gerando um ciclo de consumo muito além do necessário, eram comuns. Somente depois da intervenção surge o empoderamento para decidir satisfazer ou não a vontade.
A reflexão mostra-se mais eficiente que a proibição ao passo que permite entender como surge aquele desejo. Muitas relatam um comer associado ao emocional e, às vezes, o que o indivíduo está desejando não é necessariamente a comida, mas resolver um conflito que se esconde por trás dela. Por isso, tratar a alimentação apenas sobre os parâmetros calóricos pode comprometer a atuação do profissional de saúde.
“Hoje, existe um comer muito racionalizado para o fisiológico, como se o ser humano fosse só um corpo biológico e não somos. Estamos inseridos em um contexto social e cultural onde a comida tem múltiplos significados, sendo um meio de construção e afirmação de identidade. Ela é responsável por nos inserir em um grupo social e essa sensação de pertencimento gera prazer”, acrescenta Fernanda. “Você pode sentir prazer porque comeu uma comida que o remeteu a sua vó. Isso é saudável, porque isso é natural do ser humano.”
Para exemplificar seu ponto, a pesquisadora traz o caso de um estudo da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, que concluiu que as pessoas que relacionavam o bolo de chocolate à culpa, tinham uma dificuldade de manutenção do peso muito maior do que aquelas que o relacionavam à celebração.
“Aceitar que você sente prazer com a comida lhe proporciona um comer mais saudável. Muitas mulheres observadas por mim relataram: ‘Prazer, eu sempre senti. Mas foi libertador quando eu descobri que podia sentir prazer”, revela Fernanda.
Por ser fisicamente perceptível, a obesidade tem o agravante de estar passível a todo e qualquer julgamento. Assim, se solidifica a ideia de que o corpo gordo precisa ser alterado a qualquer custo, negligenciando toda esta complexidade do que é saúde.
“Além de ter pouquíssimos estudos sobre os efeitos das dietas a longo prazo, os resultados a médio e curto prazo já são ruins. Quando essa pessoa não consegue sustentar os resultados, ela culpa quem? O profissional da saúde, com títulos e reconhecimento? Não, ela culpa a si mesma. Isso gera frustração, baixa auto-estima, quadros alimentares compulsivos e pensamentos obsessivos com relação à alimentação”, problematiza a pesquisadora.
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