Calor é mais letal que o frio, especialmente para os idosos

Clima quente, além de afetar a saúde de diversas maneiras, prejudica a percepção e a cognição da população mais velha

Pixabay

O aumento da temperatura ambiente, situação comum a todos os locais do planeta, é um fator que pode alterar não somente o meio em que vive o ser humano, mas também sua percepção de mundo e sua saúde. Em relação aos idosos, os efeitos das mudanças climáticas devem ser mais incisivos, afetando a própria cognição e sensação térmica.

Fugindo da tradicional linha ambiental de estudo sobre as mudanças climáticas, pesquisadores da USP realizaram um experimento para avaliar os efeitos de um clima cada vez mais quente na saúde humana, em especial, das pessoas mais velhas. 

O calor cada vez mais constante é uma realidade que não podemos negar. Em São Paulo, por exemplo, os verões devem, a cada ano, tornarem-se mais quentes, enquanto os invernos devem ficar brandos”, explica o professor Fábio Gonçalves, um dos responsáveis pelo estudo. “Se tomarmos a população geriátrica como parâmetro, notamos que está acontecendo uma inversão das principais causas de morte: antes os idosos sofriam com o frio, pela própria instabilidade térmica ou por doenças como a gripe, contudo, agora, eles estão morrendo e adoecendo cada vez mais no calor”.

Estudo

No experimento, 68 idosos, de diferentes condições físicas, sexos e classes sociais, foram alocados dentro de uma câmara climática, que permitia a regulação de condições ambientais, como temperatura e umidade do ar. Para que os voluntários se sentissem à vontade, a câmara simulou uma sala de estar, com poltronas, por exemplo.

Os idosos foram divididos em grupos, que se submeteram a diferentes condições climáticas. As temperaturas, por exemplo, variaram entre 16ºC e 32ºC, enquanto a umidade do ar oscilou entre 30% e 70%.

Câmara Climatizada. AUN

Após as sessões de adaptação do corpo à combinação de fatores ambientais, os grupos tiveram avaliadas suas capacidades física e mental, através de testes cognitivos, de equilíbrio ou de força. Além disso, foram questionados sobre possíveis desconfortos em cada uma das condições criadas.

Conforme a tese da médica Beatriz Trezza, coordenadora da pesquisa, os resultados mostram que os idosos tiveram prejuízos cognitivos quando submetidos à combinação de altas temperaturas e umidade, enquanto fatores como idade, sexo ou condição social não apresentaram distorções relevantes. O único grupo cuja cognição não foi afetada pelas condições ambientais foi o dos praticantes regulares de atividades físicas.

Outro ponto interessante da pesquisa foi o da percepção à temperatura ambiente, que constatou que o sistema termorregulador do nosso corpo se torna menos eficaz com o tempo. “A população geriátrica sentiu maior desconforto com as temperaturas frias do que com as quentes. Isso indica um grave problema de saúde pública para o futuro, já que os idosos incomodam-se no inverno e agasalham-se, mas não percebem o calor dos verões, o que pode acarretar em diversos fatores, como desidratação e hipertensão”, alerta Gonçalves.

O limite de temperatura efetiva (uma combinação de fatores climáticos) que não modificava as capacidades dos idosos foi o de 29,7ºC. Acima disso, os prejuízos começaram a ser notados.

Projeção do clima e propostas

Segundo os pesquisadores, a região metropolitana de São Paulo já vem passando por um processo de mudança climática que, à medida que vai se consolidando, deve diminuir cada vez mais a quantidade de dias considerados “frescos” no ano, enquanto aumentam os “quentes”.

Essas alterações devem prejudicar muito os idosos, caso medidas não sejam tomadas. As propostas do estudo dividem-se em três pontos: o alerta para que os idosos, em dias de calor, estejam sempre hidratados e com roupas adequadas; a prática de exercícios físicos, desde que associada com a qualidade do ar ambiente; a adaptação das residências de modo a torná-las termicamente mais confortáveis.

Calor mata mais

Contrariando a ideia difundida pelo senso comum, o professor Fábio afirma que “o calor mata muito mais do que o frio”, referindo-se não apenas aos idosos, mas, também, à população em geral.

Além da já citada falha termorreguladora do público geriátrico, o corpo humano em si possui uma tolerância ao calor menor do que ao frio. Por outro lado, existem hábitos atuais que facilitam, por exemplo, a desidratação. “Hoje, as pessoas sentem sede e não se hidratam corretamente: tomam refrigerantes e cerveja pensando que estão matando a sede, quando na verdade essas bebidas a estimulam mais”.

O calor também é a causa de doenças diretas, como a interferência na pressão sanguínea, podendo causar hipertensão, ou indiretas, como dengue, chikungunya e zika, cujo mosquito se desenvolve apenas em condições tropicais. No Brasil, há outro agravante, pois os países localizados na faixa mais quente do globo terrestre são aqueles menos desenvolvidos, que, consequentemente, terão menos condições econômicas, logísticas e tecnológicas para sanar enfermidades causadas pelo clima quente.

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