Escolas municipais de São Paulo promovem inclusão de alunos com surdocegueira

Em novembro de 2011, as Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos (Emebs) foram criadas por meio do decreto nº 52.785, assinado pelo ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. São unidades que oferecem ensino bilíngue para crianças, adolescentes e adultos surdos ou com surdocegueira, além de outras deficiências que podem estar associadas. Nas Emebs, a primeira língua é a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e o português é ensinado como segunda língua na modalidade escrita.

Parte de uma política maior de inclusão, as Emebs foram idealizadas dentro do Programa Inclui, instituído pelo decreto nº 51.778 de setembro de 2010. O objetivo do projeto foi capacitar profissionais e dar suporte técnico para atenderem, na rede pública de ensino, alunos com deficiência ou distúrbios de aprendizagem, ampliando o acesso deles às classes regulares. Como vertente paralela, o programa ainda determinava a reestruturação das antigas Escolas Municipais de Educação Especial (EMEEs) para transformá-las em Emebs.

Hoje, há seis Emebs em São Paulo, além de duas Unidades Polo de Educação Bilíngue para Surdos localizadas em CEUs (Centros Educacionais Unificados). As Unidades Polo são escolas regulares com maior inclusão de alunos surdos e com surdocegueira, pois, assim como as Emebs, contam com professores especializados, instrutores de Libras e guias-intérpretes com certificação específica em surdocegueira. Nessas unidades, o atendimento também ocorre em classes bilíngues denominadas Salas de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (SAAI Bilíngue).

A pesquisadora Lia Emi, para sua dissertação de mestrado A inclusão de alunos com surdocegueira na rede municipal de ensino de São Paulo: relatos de profissionais especializados – apresentada ao Instituto de Psicologia da USP em 2017 –, solicitou à Secretaria Municipal de Educação a quantificação de pessoas com surdocegueira matriculadas na rede. De acordo com documento recebido em 2015, havia 23 alunos incluídos em diferentes escolas: 10 em Emebs, 5 em Unidades Polo, 2 na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede regular, 2 em instituições conveniadas à rede municipal, além de 4 que frequentavam escolas regulares – 3 no ensino fundamental e 1 no ensino médio.

Segundo Lia, a inclusão de alunos com surdocegueira não começou nas Emebs e já ocorria antes nas EMEEs. Porém, muitas vezes o que acontecia era que, por o aluno não ser totalmente surdo ou cego, os professores não sabiam de sua condição. Na surdocegueira, há perdas em graus diferentes tanto da visão quanto da audição, não necessariamente ocorrendo a perda total dos dois sentidos. Por isso, a surdocegueira é uma deficiência única em que o prejuízo desses sentidos cria uma condição específica: ela não é a simples somatória de outras duas deficiências.

Para elaborar sua própria forma de comunicação, uma pessoa com surdocegueira precisa utilizar seus sentidos remanescentes – olfato, paladar e tato –, além de possíveis resquícios auditivos e visuais. O período em que a perda da audição e da visão ocorre também influencia no processo, ou seja, se a perda de sentidos é congênita, ou se a pessoa adquire a surdocegueira após ter aprendido uma língua (Libras ou Português).

Há pessoas com surdocegueira, por exemplo, que utilizam a Libras Tátil – um uso da Língua Brasileira de Sinais no qual as mãos do receptor ficam sobre as de quem enuncia a informação –, e outras que recorrem ao Tadoma. Geralmente utilizado em casos de surdocegueira pós-linguística em que há o resquício auditivo, ele consiste em captar as vibrações das cordas vocais do interlocutor posicionando os dedos sobre o maxilar e o pescoço do mesmo. Há, ainda, pessoas que usam a escrita alfabética na palma da mão e outras com surdocegueira congênita que, sem uma linguagem simbólica, necessitam de formas de comunicação que empreguem objetos de referência.

 

De acordo com Lia, a ideia da inclusão está relacionada à adaptação da forma como o conteúdo curricular é apresentado. “Não se trata de criar um novo currículo”, ela explica. “Mas do que será preciso fornecer para que o aluno consiga participar”. Alunos com baixa visão, por exemplo, têm seus materiais ampliados e com maior contraste, ou utilizam livros táteis. “É quase tudo uma descoberta, mas se vê uma motivação para pensar em soluções, quebrar modelos e criar novos”, diz.

Em sua dissertação, Lia entrevistou quatro profissionais que atuaram na inclusão de alunos com surdocegueira em uma Emebs que não é identificada. O foco da pesquisadora foi as histórias de vida dessas colaboradoras – todas mulheres –, partindo da desconfiança de que as trajetórias de vida poderiam influenciar em uma postura acolhedora e de luta pela garantia de direitos, o que se confirmou. Lia propôs palavras-síntese para representar o olhar dessas educadoras sobre a inclusão: direito, acolhimento, respeito e responsabilidade. Segundo a pesquisadora, a criação das Emebs, a opção pelo exercício da profissão na rede pública e as experiências passadas dessas profissionais favoreceram a consolidação de um repertório que permitiu a formulação de respostas novas.

Além disso, Lia constatou que, em um primeiro momento, a chegada dos alunos com surdocegueira provocou insegurança e receio nos educadores, que não se sentiam preparados para ensiná-los e para atender suas necessidades. De acordo com a pesquisadora, entretanto, isso está sendo modificado por meio de formações e discussões. No ano de 2013, por exemplo, cerca de 6 mil educadores estiveram em formação continuada – sendo essa a meta mínima anual –, segundo informações do Portal da Secretaria Municipal de Educação.  São cursos para professores, coordenadores, diretores, agentes escolares e supervisores sobre as diferentes deficiências, além de cursos de Libras e de formação para guias-intérpretes. Mais especificamente, em 2014, a primeira turma de Especialização com ênfase em Deficiência Múltipla foi formada.

“Minha experiência na rede pública deixou muito claro que um professor sozinho não adianta”, afirma Lia. De acordo com a pesquisadora, para a inclusão ocorrer de fato, é necessário que a equipe toda da escola – professores, coordenação e direção – esteja engajada no projeto. Mais do que isso, ela cita o papel importante que a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo teve: “De certa forma, quando se vê a produção de material sobre Libras sendo publicada pela Secretaria, enquanto as ações de inclusão iam tomando forma nas Emebs, percebe-se que tudo estava interligado”.

Uma das motivações que fez a pesquisadora debruçar-se sobre o tema da inclusão de alunos com surdocegueira foi, justamente, negar a visão equivocada de que não seria possível incluí-los. Ela conta ter se surpreendido, durante seu estudo, com algo básico e essencial: automática e intuitivamente, as crianças que usavam Libras começaram a se adaptar a Libras Tátil para se comunicar com os colegas com surdocegueira. Para Lia, na rede municipal como um todo, há um trabalho efetivo de inclusão de alunos com deficiência, tanto na rede regular como também de alunos com surdocegueira nas Emebs. “Não quer dizer que não haja problemas nem falhas, mas tem, sim, muita coisa boa acontecendo e os bons exemplos precisam ser registrados.”

3 Comentário

  1. Excelente matéria sobre surdocegueira .sou especialista nesta área em Juiz de Fora.faco parte do grupo Brasil .

  2. Oi… estou escrevendo sobre esse assunto : INCLUSÃO DE ESTUDANTES COM SURDOCEGUEIRA NO ENSINO FUNDAMENTAL ‘ e gostaria de ter contato com a Lia…para enriquecer minha tese . Trabalho realizado em Curitiba!! Aguardo por favor

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