O Show de Trump: de celebridade a presidente

Especialistas analisam a influência da fama na chegada do republicano à Casa Branca

Fama e sucesso financeiro: fatores importantes para a surpreendente vitória. Foto: - Foto: Divulgação.

Por Artur Zalewska (artur.zalewska@gmail.com); Felipe Fabbrini (felipembnf@gmail.com); João Paulo Almeida (joao.almeida@usp.br); Matheus Lopes (matheus.l.cardoso@hotmail.com) e Vinícius Bernardes (vguidio@ig.com.br)

Donald Trump, ao se eleger presidente dos Estados Unidos, se tornou mais um representante do fenômeno das celebridades que souberam aproveitar a fama para engatar uma carreira na política. Com frequência, famosos aliaram suas imagens a cargos públicos nos Estados Unidos, utilizando sua prévia influência midiática como plataforma política. Especialistas preocupados em entender os motivos que levaram a inesperada chegada do republicano à Casa Branca apontaram a fama e o sucesso financeiro do ex-apresentador como fatores importantes para a surpreendente vitória.

Para o professor Alexandre Barbosa, cientista político do Departamento de Jornalismo e Editoração da USP, essas figuras são alimentadas pelos próprios meios de comunicação, que ajudam a criar uma imagem diferente daquela dos políticos tradicionais. “Por exemplo, um empresário que dirige um programa que ajuda pessoas a reformarem carros, casas e que auxilia instituições tem diante da audiência uma imagem de sucesso, de comprometimento, de solidariedade totalmente oposta à imagem construída da classe política”, explica o professor.

Barbosa destaca que a espetacularização nas eleições dos EUA tem início desde os comícios e debates, reproduzidos pelas grandes redes de comunicação. Nesses eventos, os candidatos tentam convencer e comover o público, com uma linguagem acessível, buscando despertar uma relação de identificação do eleitor para com as propostas apresentadas.

Durante a corrida eleitoral, Trump ficou famoso em função das enérgicas propostas que marcaram sua campanha. Adotando uma postura linha dura, o candidato republicano se mostrou inflexível a diversos dos atuais problemas americanos – como a imigração ilegal proveniente do México e os excessivos gastos em políticas externas.  A eleição de Trump provoca efeitos significativos no quadro geopolítico mundial antes mesmo do republicano assumir a Casa Branca. Para Barbosa, no entanto, “o maior perigo da eleição de Trump é dar força para outros projetos ultranacionalistas e conservadores”, pois os Estados Unidos “há tempos funcionam como uma espécie de farol do mundo, direcionando ações nas suas áreas de influência. ” De certa forma, pode-se dizer que o Brasil não escapou do efeito Donald Trump. Concomitantemente à campanha do polêmico republicano, João Dória, empresário de sucesso da televisão, ganhava cada vez mais força para o cargo de prefeito da cidade de São Paulo, fato que se consumou após a contabilização das urnas no início de outubro. Assim como nos EUA, os eleitores de São Paulo apostaram suas fichas em uma figura de sucesso do meio empresarial, como esperança de salvação em meio a um panorama de insatisfação com o atual quadro político.

O professor aponta ainda que a eleição de figuras midiáticas como Trump podem representar uma ingênua tentativa da sociedade em alcançar soluções para os atuais tempos de crise. Para ele, há a necessidade de estudos em torno dos fenômenos políticos ocorridos em contextos de instabilidade, uma vez que figuras midiáticas frequentemente se destacam nesses momentos. “O aparecimento de celebridades como soluções políticas vai ao encontro de uma pauta recorrente nos meios de comunicação que é a crítica aos políticos e ao sistema político. Não só no Brasil, mas em vários países há a busca por salvadores da pátria e historicamente, essas figuras [correspondem a essa expectativa]”, ressalta Barbosa.

Até hoje o estado que mais elegeu senadores e governadores – ligados ao universo dos famosos –  é a Califórnia, morada do cinema mundial, Hollywood. No local, a celebridade é bem recebida antes mesmo de entrar na política, tendo maior facilidade de aceitação por parte do público. Ao longo da história política americana, a inserção de celebridades e milionários em cargos políticos foi uma prática frequente. O caso mais famoso é o do ator de cinema Ronald Reagan, que foi presidente na década de 80, e importante figura durante a Guerra Fria contra a URSS, a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Como funcionam as eleições americanas

Nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, a candidata democrata Hillary Clinton recebeu aproximadamente 65.250.000 votos. Cerca de dois milhões e meio a mais que os 62.686.000 do recém-eleito Donald Trump, fato que gerou enorme controvérsia sobre a legitimidade das eleições. No entanto, a derrota da candidata escolhida pelo voto popular é justificada por especialistas através do diferenciado sistema eleitoral norte-americano. O professor Carlos Alberto da Silva, geógrafo e historiador pela Universidade de São Paulo, aponta essas variações como as principais responsáveis pela chegada de Trump à Casa Branca.

Diferentemente do que ocorre no Brasil, as eleições para presidente nos Estados Unidos são indiretas. Ou seja, os eleitores são responsáveis por votar em representantes de um colégio eleitoral, que determinarão qual será o presidente eleito. O professor afirma que o processo americano se mostra mais complicado que o brasileiro, em função do sistema de delegados em que o país se estrutura. Os delegados são os responsáveis por votar nos candidatos escolhidos pela população, de modo que o partido que possuir mais desses alcança a vitória.

Carlos Alberto ressalta que o número de tais representantes é proporcional à população de cada estado. A Califórnia, conforme exemplifica, possui o maior número de delegados, uma vez que é o estado de mais expressiva população do país. O professor afirma que apresentar o maior número de votos diretos não é sinônimo de vitória, destacando que, para chegar à Casa Branca, o fundamental é angariar delegados nos estados mais populosos. “Vamos supor que um candidato republicano ganhe na Califórnia, então ele vai levar todos os delegados daquele local. Um candidato pode ter uma quantidade maior de votos diretos, mas, se ele ganhar em menos estados, ele não será eleito”, aponta o docente.

Arte: João Almeida

Hillary Clinton no total dos votos alcançou um número maior que Donald Trump, porém não obteve vitória nos estados com mais delegados. A midiatização prévia da figura de Trump é apontada pelo professor como um dos fatores responsáveis pelo resultado observado. O conglomerado empresarial que esse possui – razão de seu sucesso no reality The Apprentice – criou uma imagem de homem forte em torno da figura do republicano. “Trump criou uma imagem de um homem pulso firme, que não dá a chamada moleza e o americano quer justamente isso no momento: um homem de braço firme”, ressalta Carlos Alberto.

Fonte: G1

Ao contrário do que muitos imaginavam, a postura dominante e agressiva demonstrada por Trump no reality The Apprentice tornou-se ainda mais intensa e radical fora da televisão. Segundo o geógrafo Jorge Covac, professor e criador da página Atualidades Virtual na internet, “o mundo, que nunca acreditou na eleição de Donald Trump, claramente ficou perplexo com sua vitória, pois além de sua falta de experiência política, seu discurso sexista, xenófobo, isolacionista e populista pareciam tão absurdos que uma eventual vitória era impensável.” De fato, a campanha repleta de discursos de ódio e ameaças físicas do candidato republicano aparentava ser a extensão de um programa televisivo de entretenimento para fora das telas. Para grande parte dos eleitores, no entanto, a agressividade demonstrada por Trump correspondia às expectativas desses por um líder forte e capaz de defender os interesses da nação a qualquer custo.

Carlos Alberto aponta, ainda, que a eleição do republicano não representa uma repulsa às políticas, até então adotadas, pelo democrata Barack Obama. Hillary Clinton é alvo, segundo ele, de uma forte ojeriza por parte da população, sendo vista como uma mulher arrogante e corrupta. O professor lembra que, na gestão do presidente Bill Clinton, ela esteve envolvida em escândalos imobiliários – fator que contribuiu significativamente para a construção de uma imagem negativa em relação à candidata democrata.

As celebridades na política brasileira

Após o bem-sucedido “Efeito Tiririca”, diversas celebridades passaram a pleitear cargos governamentais no Brasil, na expectativa de obter o sucesso angariado pelo atual deputado. Assim como no contexto americano, a mídia surge aqui como um elemento viabilizador das chances de vitória dessas personagens, uma vez que essa potencializa seus discursos, conferindo crédito a propostas, em grande parte, vazias.

A professora Mayra Rodrigues Gomes, do Departamento de Jornalismo e Editoração da USP, discute essa questão apontando como a apresentação prévia de determinado candidato à população amplia o efeito de seus discursos sobre essa. Em grande parte das vezes, a relação de identificação social para com suas propostas ocorre como resultado da imagem anterior que a sociedade carrega sobre determinado indivíduo. Segundo a docente, “a própria presença nos meios midiáticos já coloca esse personagem em uma posição de destaque”, ampliando, na concepção social, a associação desse à imagem de autoridade. Nesse sentido, o amplo investimento em marketing político se torna o principal alicerce para uma candidatura de sucesso. A professora ressalta que o excesso de verbas públicas empregadas em campanhas se encontra atrelado ao desejo de apresentação pública que todo o candidato possui, uma vez que é a identificação do público para com esse que possibilita sua eleição.

Na disputa pela Câmara dos Vereadores de São Paulo em 2012, casos como o do assistente de palco Marquito foram frequentes. O candidato da coligação PTB-PRB alcançou uma expressiva quantidade de votos, que viabilizaram sua eleição como suplente na eleição anterior. Destacando-se por imitar um office-boy acidentado e um aposentado, o humorista tentou, ainda que sem sucesso, repetir o feito do palhaço Tiririca em 2010. Diferentemente do resultado da última eleição [2012], nesse ano, o sobrinho do apresentador Raul Gil não conseguiu o número necessário de votos para compor a Câmara paulistana.

A professora Mayra destaca que a familiaridade do candidato com o seu público contribui para a potencialização de seu discurso.  Para ela, “a influência da mídia predispõe uma ascensão [eleição], inclusive, para aqueles que não tenham uma carreira política prévia”, de modo que tais candidatos amparam seus discursos na presença midiática que já possuem. “A própria presença, independente do que ele vá falar já predispõe uma força maior para o discurso dele”, completa a professora.

Fonte: Blog do Julião

Dentre os candidatos das últimas eleições, o tom caricaturesco apresentado por esses transita entre o trágico e o cômico, conferindo uma imagem “folclórica” a tais figuras. A professora aponta que a sedução contida em discursos proferidos nesse cenário deriva principalmente da compreensão do candidato em torno daquele que é seu público. No caso norte-americano, conforme exemplifica a docente, Donald Trump percebeu quais eram as concepções de determinada parcela da população diante do contexto no qual os EUA estão inseridos hoje. A partir dessas, o ex-apresentador articulou seus discursos, de modo a agradar ao público que almejava seduzir.

Mayra ressalta, ainda, que a sedução ocorre de forma mais eficiente quando o público selecionado representa a maioria da população e, o discurso articulado, pelo candidato, corresponde aos interesses que essa manifesta. “O discurso da sedução é o discurso político. Não existe uma receita única para esse, depende do público específico ao qual ele se dirige”, completa a professora.

Em 2016 somente três “celebridades” foram eleitas no Brasil, mostrando que apelo e apoio financeiro nem sempre são sinônimos de vitória nas urnas. O grupo de candidatos nessa categoria foi amplo, alguns bastante conhecidos, como o cantor Agnaldo Timóteo e o ex-jogador de futebol Roberto Dinamite. O resultado expressivo dos eleitores, negando candidatos como esses, demonstra, de certa forma, um melhor discernimento da população brasileira em torno dessa questão.

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