Por Letícia Fuentes – lepagliarini11@gmail.com
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa considerada rara que provoca a morte seletiva de neurônios motores na medula espinhal e do córtex motor do paciente, levando à perda dos movimentos. Ainda sem cura descoberta, os fatores que levam ao aparecimento da enfermidade não têm uma causa única e são pouco conhecidos pelos estudiosos, podendo incluir desde exposição a elementos tóxicos até estresse físico por sobrecarga de peso ou traumas na região da cabeça. Doença de evolução rápida e agressiva, pode levar à morte dentro de poucos anos, sendo a média de expectativa de vida cinco anos a partir dos primeiros sintomas.
Para compreender melhor a ELA, o pesquisador Chrystian Alves decidiu investigar o papel de uma célula específica no processo de neurodegeneração dos neurônios motores afetados, a célula de Schwann. Em sua tese de doutorado, defendida pela Faculdade de Medicina (FM) da USP, realizou testes em camundongos e no nervo periférico de pacientes e revelou que a célula estudada, que originalmente possui um papel de proteção dos neurônios, também tinha sua função comprometida por conta do avanço da doença.
Segundo Alves, já era de conhecimento dos estudiosos que determinadas células gliais, que são responsáveis por oferecer suporte aos neurônios, também são afetadas pela ELA. De acordo com ele, existem quatro tipos dessas células, sendo que, delas, sabia-se que pelo menos três ficavam alteradas durante a doença e contribuíam para a morte dos neurônios: o astrócito, a microglia e o oligodendrócito. A quarta célula existente e que não havia sido estudada até então é a célula de Schwann.
Como explica o pesquisador, essa célula não está localizada exatamente dentro da medula espinhal ou do cérebro. Ela é responsável por envolver os prolongamentos dos neurônios que compõem o nervo, que ficam para fora da estrutura da medula, funcionando como um isolante e protetor. “Ela vai junto com o axônio do neurônio, acompanhando ele”, afirma. “São células muito importantes, principalmente quando o sistema nervoso se forma, pois são elas que vão guiando e nutrindo os neurônios.”
Etapas da pesquisa
Na fase inicial de seu estudo, Alves utilizou um camundongo especialmente desenvolvido para reproduzir a doença em seu estágio pré-sintomático. Em uma primeira análise, ele conta que já foi possível observar uma alteração nas células de Schwann e no próprio nervo do animal, que apresentava um tamanho reduzido em relação ao nervo de um camundongo saudável. “Isso acontece porque, na ELA, os neurônios vão morrendo e o nervo perde fibra”, explica. “E, quando a gente avaliou a condução dos impulsos nervosos pelo nervo, estes estavam totalmente alterados, o que demonstra que não só os neurônios eram afetados. A ideia foi, então, pensar o seguinte: será que essas as células de Schwann estão matando o neurônio?”.
Para testar sua teoria, Alves e sua equipe analisaram isoladamente diversas combinações de neurônios saudáveis e doentes com células de Schwann normais e alteradas em uma placa de cultura de células. Os pesquisadores perceberam que, mesmo quando o neurônio não apresentava a doença, se a célula de Schwann associada estivesse alterada, o neurônio morria. “A gente percebeu que isso era estranho, e que essa célula provavelmente fazendo com que o neurônio morresse”, conta o cientista. “Mas esse foi o resultado com o camundongo. Quando se trata de estudos no campo das doenças neurodegenerativas, por mais que o camundongo seja um mamífero próximo, a gente tem que testar nos humanos também, senão não tem sentido pensar em tratamento eficaz.”
Na outra etapa de seu estudo, Alves tentou fazer o mesmo teste com um nervo humano, extraído do dedão do pé de pacientes voluntários do Hospital das Clínicas (HC) da USP que já apresentavam paralisia nessa região. “Pela primeira vez no mundo a gente conseguiu trabalhar com células de Schwann isoladas do próprio paciente”, afirma. O problema, segundo o pesquisador, é que o neurônio do paciente, por estar dentro da medula espinhal, não poderia ser extraído para fazer a análise. “Então, tivemos que combinar a célula de Schwann do paciente com o neurônio do camundongo.”
Quando as duas células foram colocadas juntas, o pesquisador conta que o neurônio morreu ainda mais rápido do que na etapa anterior do estudo, já que a célula do paciente estava em um estágio avançado da doença. “No dia seguinte, já não existia mais nenhum neurônio vivo”, diz. “Então, a gente percebeu que, na verdade, a célula de Schwann não mata os neurônios. Ela perde sua capacidade de neuroproteção. É por isso que eles morrem, porque precisam da célula de Schwann o tempo todo mandando estímulos para se manter vivos, mas ela não consegue mais fazer isso.” O cientista também afirma que as células de Schwann afetadas pela ELA também tem problema na produção de fatores neurotróficos – substâncias que funcionam como vitaminas para os neurônios se manterem vivos – e alteração em genes que controlam o metabolismo de gordura – que normalmente reveste o nervo – prejudicando o isolamento do neurônio e sua capacidade de transmissão dos impulsos nervosos.
A próxima etapa, segundo Alves, é testar a associação de células de Schwann e neurônios humanos, um experimento que já foi posto em prática e será publicado posteriormente por ele com a ajuda de outros estudiosos. O pesquisador afirma que, para isso, foi utilizada uma técnica feita a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (ou células iPSC). No caso, o processo realizado transformou fibroblastos, um tipo de célula presente na pele, em células-tronco e, depois, em neurônios motores. Assim, foi possível realizar o mesmo experimento utilizando apenas células humanas, produzindo um resultado mais próximo ao que ocorre no nosso corpo. Alves espera que, dessa forma, os processos da ELA sejam cada vez mais compreendidos e a expectativa e a qualidade de vida dos pacientes possam aumentar com o surgimento de tratamentos mais eficazes para a doença.
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