Pesquisas buscam melhorar o tratamento de pacientes com deficiência hormonal múltipla

O principal objetivo dos estudos é diminuir a quantidade de hormônios que eles necessitam repor todos os dias

(Imagem: reprodução)

A endocrinologista e pesquisadora Luciani Renata Silveira de Carvalho, responsável pelo ambulatório de deficiência do hormônio de crescimento (GH) no Hospital das Clínicas, observou que os pacientes com disfunções hormonais, apesar de beneficiados com o tratamento, ficavam incomodados com os métodos invasivos. Pessoas que possuem ‘deficiência hormonal múltipla’ precisam ingerir muitas doses diárias de hormônios, “têm que tomar pílula para repor o estrogênio e a progesterona, tomar puran t4 para repor o hormônio da tireoide, hidrocortisona que é um corticoide e o GH. Se o paciente for do sexo masculino, ainda tem que tomar testosterona, que pode ser injetável, por gel ou desodorante, mas, quanto menos invasivo, mais caro, e nossos pacientes SUS não tem condições de pagar”, explica a pesquisadora. Com a motivação de melhorar a qualidade de vida dessas pessoas, ela pesquisa formas alternativas do tratamento.

Os pacientes com ‘deficiência hormonal múltipla’, também chamada de ‘hipopituitarismo’, possuem a diminuição ou ausência da secreção dos hormônios produzidos pela glândula pituitária, mais conhecida como hipófise. Com o melhor conhecimento das células tronco  (células com potencial de diferenciar-se em vários tecidos) na última década e os possíveis tratamentos usando essas células como o implante das mesmas no pâncreas tornando possível a produção de insulina, a melhora do coração de quem tinha insuficiência cardíaca, entre outros progressos da chamada ‘medicina regenerativa’ –, Luciani pensou em tratar a hipófise desses paciente com células tronco, pois elas poderiam se diferenciar e restaurar a produção hormonal, evitando assim os tratamentos múltiplos.

O objeto de estudo da pesquisadora, a hipófise, situa-se na base do cérebro (região superior ao céu da boca) e por isso torna o seu acesso direto muito difícil. Diante dessa limitação de abordagem direta do paciente, ela foi atrás de um modelo animal capaz de mimetizar o que acontece no ser humano. Luciani utilizou três modelos animais com origens distintas de hipopituitarismo congênito para avaliar a presença das células tronco. Dois dos modelos animais apresentavam alterações espontâneas em genes do desenvolvimento hipofisário: um no gene Prop-1, que é responsável pela diferenciação do hormônio folículo-estimulante (FSH) e luteinizante (LH), implicados na fertilidade, TSH e GH, implicados no metabolismo e crescimento, e a prolactina, responsável pela lactação. O outro animal possuía alteração no gene Pit-1, responsável pela diferenciação das linhagens que produzem o GH, a prolactina e o TSH; e um último modelo, que foi gerado em laboratório, não possui a subunidade alfa, uma molécula responsáveis pela ação do LH e o FSH no testículo e no ovário esse é denominado “mutante Alfa-GSU”.  Analisando a hipófise desses animais em diferentes momentos da vida, foi notado que os mutantes dos genes Prop-1 e Pit-1 acumulavam células-tronco na hipófise. “Os experimentos evidenciaram que na vida adulta a hipófise desses animais estava cheia de célula tronco, não estava faltando. Então conclui-se que não precisa dar essas células para esses pacientes com alterações no genes PROP e PIT, ficando de lado a possibilidade de uma medicina regenerativa usando células-tronco”, explica a pesquisadora.

Localização da Hipófise (Imagem: Centralx Atlas)

Apesar do resultado aparentemente negativo, Luciani tem expectativas para continuar as pesquisas e descobrir o porquê de novos questionamentos que surgiram com seus estudos. “Diferentes de outros tecidos, em alguns defeitos [da hipófise] a célula tronco está acumulada, e em outros ela esta normal. O que está fazendo essa célula tronco se acumular? qual fator está faltando que faz ela não se diferenciar? é por aí que a pesquisa vai agora”, explica a doutora. Ela também aponta para outra linha interessante de estudo: alguns pacientes possuem um sistema alternativo de produção hormonal, ou seja, mesmo com hipopituitarismo, eles conseguem normalizar a produção dos hormônios em certas fases da vida. “Provavelmente, mesmo com o defeito na hipófise, deve existir uma reserva de células que é utilizada em um momento de grande demanda. O próximo passo da pesquisa é descobrir o que faz com que alguns indivíduos tenham esse mecanismo de recuperação, tornando-os normais em alguns períodos da vida, quando comparados a outros pacientes”

Luciani também destaca o método utilizado para conseguir que os pacientes aceitem participar das pesquisas que continuam em processo. “É essencial ser verdadeira com eles, eu sempre falo: ‘nós temos um estudo em andamento em que estamos fazendo um exoma [parte do genoma que codifica os genes], para isso precisamos do seu DNA, do DNA dos seus pais e familiares, pois na análise do DNA, tudo funciona como se fosse um quebra-cabeça e por isso o DNA dos familiares é fundamental, pois vai me mostrar o que você tem de diferente deles e que pode ter levado a sua doença. Você não é obrigado a participar, e também essa pesquisa não vai mudar o seu tratamento, mas ela pode melhorar o tratamento de alguém lá na frente. Hoje você se beneficia com o tratamento que tem, porque alguém lá atrás descobriu essa forma de tratamento, mas foram anos e anos de pesquisa’. E, assim, eles quase sempre aceitam participar”.

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