Bolsa Família pode influenciar no processo migratório do país

É o que afirma dissertação que estudou os efeitos do programa de transferência de renda sobre o fenômeno demográfico entre 2008 e 2010

Resultados apontam que o Programa Bolsa Família pode agir como um fator de retenção da migração. Fonte: maispb.com.br

Por Nelson Niero Neto – nelson.niero.neto@gmail.com

A maior parte dos estudos acerca do programa Bolsa Família mantém seu foco na queda de desigualdade de renda e no alívio da pobreza imediata proporcionados pela iniciativa. Entre as poucas pesquisas que se dedicaram a entender sua relação com efeitos regionais, nenhuma havia salientado a importância das gestões municipais dessa política pública, implementada em 2003 no Governo Lula, com o objetivo de unificar e ampliar programas anteriores de transferência de renda.

Até o mestrado de Gabriel Lyrio de Oliveira, pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, que buscou apontar se a maneira como cada município gere o Bolsa Família interfere na decisão do indivíduo que planeja migrar.

Um beneficiário se sente inibido a deixar sua cidade de origem por medo de perder a renda ou pelas possíveis dificuldades de recadastramento? Ou, por outro lado, uma pessoa que almeja receber o auxílio se sente atraída por um município com uma gestão mais eficiente? A fiscalização adotada pela prefeitura pode ser vista como um fator negativo por participantes do programa que estão levemente acima do perfil de renda? Essas foram algumas questões iniciais que Oliveira tentou responder em seu trabalho.

O pesquisador levou em consideração duas esferas nas variáveis da gestão municipal da iniciativa. A primeira se refere ao cadastramento, passo anterior e necessário à liberação dos recursos em si.

“O cadastro pode acontecer de maneira ativa ou passiva”, explica Oliveira. “No primeiro caso, o poder público identifica um bolsão de pobreza e envia equipes para a coleta de dados, e, no segundo, o potencial beneficiário solicita o cadastro por julgar que precisa do auxílio”, completa. A quantidade de famílias cadastradas em uma cidade é, de certa forma, uma medida do esforço em atender sua população necessitada.

Uma das hipóteses iniciais era se o indivíduo que deseja participar do Bolsa Família pode sentir-se tentado a migrar para um município com alto nível de cadastramento, onde, teoricamente, teria mais facilidade em ser beneficiado com a renda do programa.

A segunda esfera se refere à fiscalização. “A cada dois anos, os dados das famílias beneficiadas são atualizados”, conta o pesquisador, “e assim é verificado se houve aumento da renda, possivelmente ultrapassando o limite estipulado”. Porém, pela complexidade de tal tarefa e pelo tamanho do projeto – cerca de 50 milhões de brasileiros são diretamente afetados pelo programa –, nem todos os casos são minuciosamente fiscalizados.

Um quarto da população brasileira é diretamente beneficiado pelo programa. Fonte: jornalggn.com.br

Assim, existem casos de beneficiários ligeiramente acima do limite de renda – o auxílio é importante para a família, mas, com a fiscalização, ele poderia seria cortado. Oliveira pensou, então, em outra hipótese: uma fiscalização rígida poderia levar o indivíduo a pensar que permanecer em sua cidade de origem o faria perder a renda e, por isso, ele se sentiria atraído a mudar para outro município com menor grau de controle? Ou, por outro lado, uma fiscalização branda poderia contribuir para reter em sua origem os indivíduos fora do perfil almejado pelo programa?

Para tentar responder essa questão e esclarecer se a gestão municipal do Bolsa Família afeta a escolha locacional dos brasileiros, Oliveira usou um método diferente do aplicado nas pesquisas que também abordaram a questão regional e migratória.

Enquanto os outros estudos analisaram o tema de uma maneira individual (pensando especificamente na decisão do indivíduo), Oliveira usou uma metodologia de análise agregada. “Minha variável de interesse está no nível municipal”, conta. “Por isso, as características analisadas não podem ser as de uma pessoa, separadamente, e sim a dos atributos da cidade como um todo”, completa. “É uma análise agregada porque os aspectos do município valem para todos os seus habitantes.”

Considerando o fluxo migratório no Brasil no período de 2008 a 2010, e checando sua relação com o programa, o pesquisador conclui que o programa Bolsa Família parece, como afirma em sua dissertação, “contribuir para que as pessoas deixem de migrar”. Um resultado robusto encontrado foi a importância do primeiro fator da gestão municipal, a liberação de recursos. “Um alto nível de cadastramento, que leva à concessão do auxílio, é visto como algo positivo por potenciais beneficiários”, explica Oliveira.

Quanto ao segundo fator, relacionado ao grau de fiscalização, os resultados também apontaram, ainda que com menor precisão, que um controle municipal menos rígido é visto como um ponto positivo pelos indivíduos ligeiramente acima do perfil almejado pelo programa.

Reforçando que não teve intenção de julgar a natureza dos efeitos encontrados, Oliveira conclui sua pesquisa afirmando que “o programa Bolsa Família e sua gestão municipal não são neutros no processo de escolha de onde os indivíduos querem residir”.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*