Estudo da USP analisa relação entre proteína e tumor cerebral raro

Jacqueline Marcia Boccacino, estudante de graduação, estuda a atuação da proteína príon na manutenção do glioblastoma

Imagem: Reprodução

No início de 2020, a estudante no curso de Ciências Moleculares do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), Jacqueline Boccacino, começou uma pesquisa sobre um tipo de tumor raro e grave, de grau 4, que atinge as células cerebrais e atua nas funções dos neurônios, chamado glioblastoma.

O estudo fazia parte do grupo de pesquisa da professora Marilene Hohmuth Lopes, coordenadora do Laboratório de Neurobiologia e Células Tronco, que tem como objeto de interesse investigar as proteínas príons, moléculas sem material genético presentes na maioria dos seres vivos, e suas funções neurofisiológicas.

Em um primeiro momento, o trabalho consistia na análise de dados de bancos públicos de pacientes com glioblastoma, com o objetivo de averiguar a possível ligação das proteínas príons com a resistência do glioblastoma à temozolomida, o principal quimioterápico utilizado contra o tumor.

Proteínas príons celulares e o glioblastoma

Os primeiros estudos sobre as proteínas príons (também chamadas PrPC) foram realizados nos anos 60, quando foi divulgado que essa proteína celular alterada possui um alto nível de proliferação e está envolvida na infecção de doenças neurodegenerativas chamadas encefalopatias espongiformes, que causam danos irreversíveis aos neurônios.

O Laboratório de Neurobiologia e Células Tronco iniciou a pesquisa buscando desvendar a função neurofisiológica dessas glicoproteínas, através da procura por seus ligantes. Após estudos, um dos ligantes encontrados foi a também proteína STI1/HOP e foi descoberto que a ligação entre as duas proteínas gerava sinalizações referentes na autorrenovação e proliferação de células tronco neurais.

O estudo do glioblastoma está justamente na compreensão dos efeitos neurais resultantes do engajamento entre as proteínas, visto que a dificuldade de tratamento desse câncer oriunda da presença de subpopulações de células tronco altamente proliferativas e agressivas, que, de acordo com Jacqueline, “ estão relacionadas com a reincidência do tumor e sua resistência aos tratamentos convencionais, como a temozolomida”.

O trabalho focava no estudo dos mecanismos pelos quais as proteínas príons poderiam estar contribuindo para a resistência dos tumores, visto sua associação com o processo de indiferenciação e proliferação de células tronco.

Com o desenvolvimento de seu projeto, a graduanda passou a  analisar o fenótipo das células tronco tumorais,  para entender a participação da proteína na modulação fenotípica dessas células do glioblastoma.

Metodologia comparativa

A metodologia de pesquisa consistia na análise do sequenciamento de RNA das amostras de pacientes com glioblastoma para posterior classificação das mesmas em relação ao gene codificador da proteína príon. Em entrevista à AUN, Jacqueline explica o procedimento de classificação das amostras: “Estou focando na parte de bioinformática, de várias amostras eu classifiquei elas pela expressão do gene PRNP, que codifica essa proteína, e comparei as amostras de menor expressão com as de maior expressão desse gene, para ver o que essa proteína poderia estar modulando”.

O resultado da comparação contribuiu com a hipótese levantada pelo grupo de que a proteína príon realmente exerce papel no fenótipo destas célula- tronco tumorais já que em amostras de paciente com altas taxas de PRNP os processos de diferenciação celular são reduzidos em relação aos indivíduos com taxas menores de PRNP.

Tratamentos terapêuticos

O estudo foca no desenvolvimento de possíveis tratamentos terapêuticos, a partir da inibição da ação da proteína príon nas células tronco tumorais. Em 2015, a orientadora de Jacqueline, Marilene Hohmuth Lopes, publicou uma pesquisa expondo o experimento da utilização de uma sequência peptídica para impedir a ligação da proteína príon com seu ligante, a proteína STI1/Hop.

Sobre esse procedimento, Jacqueline comenta: “Elas (a proteína príon e STI1)  interagem com  esse peptídeo, e ele vai mimetizar esse sítio de interação entre as duas e, então, ao invés da proteína príon se ligar a Hop ela se liga a esse peptídeo”. Como, ligada a essa sequência peptídica, o príon não acarreta a mesma sinalização molecular apresentada em sua conexão com a Hop, foi averiguada uma diminuição na proliferação, auto-renovação e na tumorigenicidade das células tronco do glioblastoma.

Atualmente, a estudante Jacqueline que teve a parte experimental do projeto posta em espera devido a pandemia, tem trabalhado ultimamente com dados de single cell, que possibilitam com sua resolução a leitura da expressão gênica de cada célula individualmente. Além disso, a graduanda passou a ver o papel da proteína em outros tipos de tumores.

A graduanda que, recentemente, foi premiada com uma bolsa no Wellcome Sanger Institute, na Inglaterra, diz que essa análise é importante “para ver se ela está em fenótipo de células-tronco de outros tumores, porque se a nossa hipótese estiver certa, se a proteína está envolvida na manutenção desse fenótipo, futuramente ela pode ser usada como um alvo para terapias”.

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