
Dicionário Sonoridades da Cena: termos e conceitos é o nome do projeto que reúne atualmente 65 pesquisadores em torno de uma coleção de seis volumes, a ser publicada em partes a partir de 2026. A iniciativa é coordenada por César Lignelli, professor associado de Voz e Performance no Departamento de Artes Cênicas (CEN) da Universidade de Brasília (UnB), e por Rafaella Uhiara, pesquisadora responsável pelo projeto “Arquivos Sonoros de Teatro” desenvolvido no Centro de Documentação Teatral (CDT) da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) com auxílio Jovem Pesquisador Fapesp.
A ideia de compilar um dicionário sobre os termos e conceitos do som na cena teatral surgiu de demandas acadêmicas e profissionais que vinham sendo percebidas em pesquisas paralelas. Desde 2023, uma nova linha de investigação voltada à dimensão sonora dos espetáculos vem sendo desenvolvida por Uhiara, com apoio do programa Jovem Pesquisador, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Intitulado Arquivos sonoros de teatro: implementação de uma base para a pesquisa da dimensão sonora de espetáculos, o projeto busca criar ferramentas metodológicas e conceituais para lidar com o espólio da sonoplasta Tunica Teixeira, que trabalhou durante quase cinco décadas na cena teatral paulista. A pesquisadora musical deixou mais de 7 mil itens, incluindo textos com anotações, roteiros técnicos e documentos sonoros armazenados em uma ampla variedade de suportes, como CDs, MDs, DATs e LPs.
Entre os eixos do projeto, um dos principais trata justamente do vocabulário usado para descrever o som no teatro. “Recebemos esse material, mas como essas coisas se chamam? A gente não tem nem nome porque no meio do teatro, as coisas não são exatamente nomeadas da mesma maneira por todo mundo”, diz Rafaella Uhiara.

Uma inquietação semelhante já movia César Lignelli há um tempo, mas foi em 2021 que deu início ao projeto Sonoridades da cena: termos e conceitos, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A proposta era organizar uma obra de referência, em formato de dicionário, sobre os diferentes aspectos da sonoridade na cena teatral.
A motivação veio, em parte, de sua experiência como editor-chefe do periódico Voz e Cena, onde observou a falta de padronização nos conceitos utilizados pelos autores. “Nesses anos todos, notei que realmente achava que era muito importante ter algo mais concentrado no mesmo espaço, que dissesse respeito aquilo que a gente faz, que a gente pesquisa e que às vezes a gente denomina de formas muito malucas, né?”, conta.
O encontro entre os dois pesquisadores aconteceu em setembro de 2024, durante a reunião científica da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas (Abrace). A aproximação foi sugerida por Ana Wegner, pós-doutoranda e integrante do time de Rafaella, que percebeu afinidades entre os projetos. “Foi uma daquelas coisas belas do universo acadêmico, quando a gente consegue ter encontros afetivos que são frutíferos também na pesquisa”, relembra César.
Embora com propósitos iniciais distintos — Rafaella voltada à consolidação de uma base de dados, e César com uma abordagem mais pedagógica —, os dois pesquisadores encontraram um ponto de convergência: o interesse pelo vocabulário técnico e conceitual do som na cena teatral.
Com a união das pesquisas, Lignelli foi convidado para integrar o projeto desenvolvido na ECA e conseguiu um auxílio para pesquisador visitante Fapesp. A proposta original de um único dicionário se ampliou, a coleção final contará com seis volumes: quatro deles dedicados a questões vocais — área que o professor da UnB estuda há mais de duas décadas —, um voltado à música e à sonoplastia, e outro focado em tecnologias e ofícios.
Segundo César, a coleção não seguirá o modelo tradicional de dicionários, que se limitam a oferecer definições objetivas. A proposta é ir além: “o projeto se dedica a, sim, dar respostas rápidas, porque é um dicionário, mas não se contentar com elas”, explica. A ideia é que os verbetes funcionem como pontos de partida para reflexões mais amplas, enriquecidas por indexações e articulações conceituais.
Tarsila Trevisan, pesquisadora de iniciação científica na ECA com apoio da Fapesp, aponta a ambiguidade do termo “sonoplastia”. “Vai ter pessoas que vão entender a sonoplastia como uma camada do espetáculo, como a arte do som, assim como a cenografia é a arte do cenário. Mas tem gente que prefere outros termos, como música de cena ou trilha sonora, e usa ‘sonoplastia’ só para ruídos.” Segundo ela, isso gera uma percepção hierárquica entre os termos: “Dá mais prestígio você dizer que fez o desenho sonoro da peça ou a dramaturgia sonora, do que dizer que fez a sonoplastia.” Ela destaca ainda que o termo é específico do Brasil e que seu uso mudou ao longo do tempo, influenciado pela evolução tecnológica.
O público-alvo da coleção inclui tanto profissionais acadêmicos quanto técnicos da prática teatral. “A ideia um pouco do dicionário era exatamente a gente tentar falar também das pessoas que não estão na academia, que a gente chama vulgarmente de ‘galera da graxa’, que são os técnicos de som, sonoplastas, a galera que mexe nos cabos, que microfona…”, destaca César.
O primeiro volume do Dicionário Sonoridades da Cena: termos e conceitos está previsto para janeiro de 2026, com os demais tomos sendo lançados até 2028. A equipe segue em negociação com uma editora universitária para viabilizar a publicação.
Faça um comentário