
A doença de Huntington é um problema genético raro, que afeta o sistema nervoso central e faz com que quem a desenvolva tenha uma sobrevida de 15 a 20 anos após o primeiro sintoma. Quando olhamos justamente para os sintomas, ela pode ser considerada pior até do que o mal de Parkinson e o de Alzheimer, visto que a pessoa perde toda sua autonomia, sua capacidade funcional, até que se encontre em um estado de demência como qualquer outra doença degenerativa.
Após tomar conhecimento da existência da proteína HSP27, um composto de choque térmico que protege as células de diversos tipos de estresse, o professor do curso de Gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), José Ribamar dos Santos Ferreira Júnior resolveu estudar seus efeitos em leveduras.
Nessa mesma época, Vittoria de Lima Camandona, que buscava um tema para seu mestrado, resolveu estudá-la em contexto de envelhecimento. Mais tarde, no doutorado, optou em estudar a HSP27 dentro da ótica de uma doença degenerativa, a doença de Huntington.
A pesquisa foi feita em uma levedura humanizada, então não houve utilização de quaisquer animais, como ratos ou camundongos. Inicialmente, um gene ‘mutante’, o gene humano chamado HTT (Huntingtina) foi expresso na levedura para que os fenótipos fossem analisados. Essa análise consiste em observar o que a expressão do gene causa na célula. “Tivemos uma diminuição na longevidade, assim como vemos em seres humanos”, conta Vittoria.
Dentro das células, no modelo estudado, as proteínas mutantes formam agregados, ou seja, se juntam em grandes quantidades e causam várias disfunções transcricionais (na cópia do DNA para fazer uma molécula de RNA), no aumento do número de radicais livres (moléculas altamente reativas e instáveis) e deturpam a autofagia (dificultando a eliminação de células mortas).
A HSP27 é uma proteína que todas as pessoas expressam naturalmente. Citoprotetora (protege a célula contra agentes prejudiciais), ela atua nas vias de degradação de componentes celulares não mais funcionais (mecanismos celulares que identificam e removem proteínas e organelas danificadas ou disfuncionais), é antioxidante (doa elétrons que tornam os radicais livres estáveis), inibe a apoptose (morte celular programada) e principalmente, ativa a ubiquitina-proteassoma, que atua em receptores celulares, inibidores de transcrição (moléculas que bloqueiam a transcrição gênica, impedindo a síntese de RNA mensageiro a partir do DNA) e proteínas mutantes. Assim como a HTT, a HSP27 também foi expressada na levedura humanizada, a fim de identificar como ela agiria sob efeito das células adoecidas pela expressão da HTT no modelo.
Uma das explicações para o fato dos portadores da doença de Huntington viverem menos está justamente nessa ação da huntingtina, que começa atuando nas células, para que só depois a doença se torne sistêmica. No estudo, Vittoria buscou expressar mais HSP27 do que HTT para ver o que aconteceria na célula da levedura. “Superexpressamos HSP27 e a célula doente pela doença de Huntington que vivia menos, passou a viver mais”, explica a pesquisadora. “Tivemos uma extensão tanto da longevidade média quanto da longevidade máxima.

Outra grande virtude apresentada na pesquisa é explicada por Ferreira Júnior, que foi orientador do estudo. “Levedura é um organismo que a gente usa para fazer pão e cerveja, que tem organização celular parecida com a nossa, mas não bastava só ter as proteínas e os genes parecidos, a Vittoria conseguiu crescer essas células em condição muito similar à da célula neuronal”. A circunstância em que o modelo de estudo foi gerado foi muito próximo ao que realmente acontece no tecido neural, então alguns dados que foram vistos a priori, mas que não chegaram a entrar na pesquisa são bem satisfatórios, como o fato de a célula sobreviver ao estresse gerado pela huntingtina quando exposta concomitante a HSP27.
É necessário reforçar que a pesquisa foi feita utilizando ciência básica e que, provavelmente, ainda está um pouco distante de uma possível terapia para a doença de Huntington. “A primeira razão é que a HSP27 é uma molécula muito grande, então é muito difícil elas atravessarem uma barreira hematoencefálica em humanos, ainda não há tecnologia para isso, mas talvez o próximo passo seja modular esse gene no neurônio”, complementa Ferreira Júnior.
Mesmo com o perfil básico do estudo, foi a primeira vez na história da comunidade científica que foi comprovado que a HSP27 consegue reduzir os agregados tóxicos em um modelo célula para doença de Huntington e que isso depende do seu nível de expressão. “Tem outros artigos que estudaram HSP27 em diversos tipos de organismo, até em células de rim, mas o nosso estudo foi o primeiro a comprovar a redução dos agregados tóxicos da proteína huntingtina mutante, que causa a doença de Huntington”, diz Vittoria.
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