
Em cenário de emergência climática, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) foi sede do 38º Panorama da Arte Brasileira. Realizada em parceria com o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), a exposição propôs uma análise crítica da realidade brasileira atual a partir do conceito de “calor-limite”.
Intitulada Mil graus, a exposição apresentou a ideia de uma temperatura oposta ao zero absoluto, onde “tudo derrete, desmancha e se transforma”. O mundo contemporâneo e suas questões históricas e sociopolíticas, bem como discussões ecológicas e tecnológicas, passam a ser observados a partir de condições extremas.
Uma das obras mais marcantes do Panorama se apresenta de forma simples, mas carrega grande significado: sobre o chão, uma grande forma metálica circular com seu interior preenchido de carvão, destino final do tronco depois da queimada. Do teto, uma estalactite, também de carvão, deixa pingar, uma por vez, gotas d’água sobre uma chapa de metal quente. A cada gota ouve-se um “tss”, evaporação instantânea, temporizador que conta os segundos até o ponto de não retorno.
Metal retorcido, deformado e ferrugem são temas comuns no Panorama e podem representar desde a degradação dos materiais pelo tempo até a sua capacidade de transformação quando sob os cuidados de um ou outro artista. Um exemplo do segundo caso se encontra nos Exus de Jayme Fygura, presentes na edição. Há ainda o contraste visível entre representações de áreas de mata-virgem e estruturas inteiramente metálicas, decrépitas, quase um agouro – ou aviso? – de um futuro cada vez menos distante.
Crise climática no Brasil
Em reunião com os chefes dos Três Poderes da República convocada pelo presidente Lula, o professor Paula Artaxo, do Instituto de Física da USP afirmou: “O Brasil, com sua localização tropical, é um dos países que vão ser mais afetados pelas mudanças climáticas, e a gente tem que preparar nossa sociedade para isso.” Além disso, o Índice Integrado de Seca (IIS), publicado em agosto de 2024 pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), classificou a situação da seca no Brasil como crítica, sendo que até o momento da publicação havia cerca de 200 municípios ainda em condição de seca extrema. São Paulo (82 municípios), Minas Gerais (52), Mato Grosso (24), Goiás (12) e Mato Grosso do Sul (8) são os estados mais afetados pela seca.
Diante dessa realidade, o Panorama deixa claro seu interesse pela inevitável transmutação causada por condições climáticas intensas, experiências metafísicas radicais e estados transitórios de matéria e alma.
Alma pintada ou Terra de Encantaria
A atual edição do Panorama conta com a contribuição de manifestações culturais do povo Akroá Gamella, originários das regiões do Piauí e Maranhão, sob o nome Rop Cateh, termo que pode ser traduzido como “Alma pintada em Terra de Encantaria”.
Recentemente o povo Akroá Gamella tem concretizado um movimento de retomada de suas terras ancestrais, há mais de 12 anos alvo de invasões de grileiros e descarte irregular de lixo. Em parceria com Gê Viana e Thiago Martins de Melo, ambos artistas maranhenses, a coleção de obras representantes da etnia refletem a essência do Ritual de Bilibeu, que celebra a cultura e perseverança do povo Akroá Gamella.

Panorama da Arte Brasileira
A origem da série Panorama da Arte Brasileira se deu concomitante à realocação do MAM para o antigo pavilhão Bahia, na marquise do Parque do Ibirapuera, sua sede permanente, em 1969.
Em decorrência da reforma da marquise, iniciada em 2024 e com previsão de encerramento em 2025, as atividades do MAM foram acolhidas por instituições parceiras que possuem laços históricos com o Museu. Entre elas estão a Fundação Bienal de São Paulo, que hoje abriga parte da equipe do Museu, e o MAC-USP, que também recebeu uma parte da equipe, além de sediar a edição do Panorama.
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