
Estudo da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo analisa as consequências do fenômeno de feminilização do processo emigratório venezuelano. Há uma alta de mulheres jovens e solteiras deslocando-se de seus lares com destino ao Brasil, em busca de trabalho. Porém, de acordo com a pesquisa, ao se deparar com a escassez de empregos formais, parte dessa população recorre à prostituição para sobreviver.
A crise socioeconômica e política na Venezuela da última década resultou em fenômenos como hiperinflação e escassez de alimentos, levando muitos em busca de melhores condições no Brasil. Uma das rotas mais movimentadas passa por Boa Vista, no estado de Roraima, onde a chegada em massa de imigrantes sobrecarrega serviços básicos, como saúde, educação e moradia. Apesar da presença de abrigos para alocar parte do contingente de venezuelanos, muitos vivem nas ruas e praças em situação de extrema vulnerabilidade social.
A parcela feminina dessa população acaba enfrentando não apenas fragilidade econômica, mas também preconceito e estigmatização, xenofobia e misoginia.
“Fizemos essas entrevistas, e os resultados mostraram quais eram os principais tipos de violência que elas sofriam, um pouco do cotidiano delas”, conta o professor e pesquisador Loeste de Arruda Barbosa. A pesquisa é sua tese de pós-doutorado na área de saúde coletiva, com orientação da professora Maria Amélia de Campos Oliveira, da Escola de Enfermagem da USP.

O estudo, que incluiu entrevistas com 15 mulheres imigrantes dependentes da prostituição como fonte de renda, revela que a maioria delas não se sente satisfeita com a atividade, mas vê nela uma solução para a pobreza extrema. “Um dia, não aguentei mais. Meus filhos me diziam: Mamãe, estou com fome. Era tanta que lhes doía o estômago. Eu não tinha nada para dar a eles. Eu consigo aguentar, mas eles não”, relatou uma das entrevistadas na pesquisa. O ganho mensal das trabalhadoras ouvidas é de cerca de R$ 1.600, embora muitas tenham relutado em discutir sua renda.
Simultaneamente, foi realizada uma pesquisa documental em portais de notícias reconhecidos, como UOL, G1, R7 e Folha de S. Paulo, e também no jornal local Folha de Boa Vista, abrangendo publicações de 2015 a junho de 2022, ano em que a migração venezuelana para Roraima aumentou.
Las ochentas
Em Boa Vista, as trabalhadoras venezuelanas são pejorativamente chamadas de “las ochentas” devido ao preço médio de R$ 80 por programa sexual. Acabam sendo vistas como intrusas, em um estado que apresenta altas taxas de feminicídio e violência de gênero. A opressão contra profissionais do sexo em Roraima reflete um padrão global, com realidades semelhantes observadas em outros países.
As falas das entrevistadas e o conteúdo das reportagens revelam que os agressores são, na sua maioria, homens brasileiros. Os dados mostram que essas mulheres enfrentam diversas formas de violência – verbal, financeira, psicológica; a violência física em destaque como a mais temida, e a exploração sexual por terceiros, como proprietários de casas noturnas, é uma preocupação constante.
O professor Loeste aponta na pesquisa para a necessidade de uma análise interseccional que considere classe social, gênero e raça-etnia para entender a origem desses problemas. Reconhecer essas complexidades contribui para oferecer cuidados de saúde mais adequados para esta população vulnerável.
O estudo na íntegra está disponível no link.
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